sexta-feira, 28 de junho de 2013

Espírito Santo - Dom do Conselho

                                                            Dom do Conselho

   Os teólogos dizem que Deus não fala no necessário nem abunda no supérfluo, porque fez todas as coisas com número, peso e medida; em todas elas brilha sua sabedoria perfeita e infinita; cada um dos seres criados por Deus se for estudado cuidadosamente, é uma maravilha. Acaso nosso organismo não é uma maravilha estupenda? Quanto mais o estudamos e o conhecemos, mais se descobrem nele leis sapientíssimas, órgãos para todas as necessidades, atividades múltiplas, recursos verdadeiramente prodigiosos.
   E com maior razão, na ordem sobrenatural Deus não falta no necessário. Com admirável sabedoria dispõe tudo na  ordem espiritual e de certa forma divina; de sorte que não há campo algum da vida espiritual em que Deus não tenha vindo ao encontro das nossas necessidades de maneira verdadeiramente admirável. E como já disse num dos capítulos anteriores, Deus estabeleceu a obra da graça sobre a obra da natureza, de tal sorte que entre as coisas de uma ordem e as de outra há maravilhoso paralelismo, admirável harmonia.
   Em cada uma das formas de atividade que há em nós, Deus providenciou: na ordem natural, com as faculdades e os sentidos; na ordem sobrenatural, com as virtudes e os Dons.
   Já vimos isso no exame rapidíssimo que fizemos até aqui dos Dons do Espírito Santo. Toda forma de atividade que exige uma moção da razão, tem também seu Dom próprio pelo qual o Espírito move daquela forma a atividade conforme às regras altíssimas, imprimindo em nossos atos um modo divino.
   No capítulo anterior falei em geral dos Dons intelectuais, como uma preparação para tratar do primeiro Dom intelectual, do qual vou ocupar-me agora e que é o que está mais próximo dos Dons afetivos, o que dirige os Dons do Temor de Deus, da Fortaleza e da Piedade; refiro-me ao Dom do Conselho.

   Em nossa inteligência há uma forma de atividade profundamente prática. Para fazer uma ação realizamos um processo mental com a finalidade de examinar com cuidado, não só a sua conveniência, sua oportunidade, mas todas as circunstâncias nas quais nos encontramos.
   Geralmente não nos damos conta deste processo, como também não nos damos conta do processo que segue nosso alimento no aparelho digestivo até ser assimilado pelo organismo.
   Precisamente porque estamos habituados a usar a nossa inteligência para regular nossas ações, geralmente passa inadvertido todo o processo  que se desenrola  em nós para chegar a esse fim; mas em certas circunstâncias especiais de nossa vida, quando a ação é mais difícil  ou mais complicada, quando não se vê logo com clareza o que em determinada ocasião deve ser feito, então, por ser aquele processo mais intenso, nos damos conta dele.
   E se examinarmos com atenção, veremos que não é coisa fácil determinar o que se deve fazer nestas circunstâncias; é preciso conhecer minuciosamente as circunstâncias do momento, dar-nos conta da liceidade do ato que vamos praticar, de sua conveniência e oportunidade; e analisamos, refletimos, recordamos o passado para guiar-nos no presenter e até para prever de certa forma o futuro. E quantas vezes, depois de termos refletido muito não chegamos a uma conclusão o que será conveniente fazer em determinado momento, mas recorremos a uma pessoa ilustrada e cheia de experiência para que nos aconselhe o que devemos fazer. Coisa difícil são nossas ações concretas, individuais, sobretudo em certas ocasiões, em certas circunstâncias,
   Por isso, para poder determinar com exatidão  o que em cada passo particular deve ser feito, existe na ordem natural a prudência, e na ordem sobrenatural uma virtude infusa que tem o mesmo nome.
   A prudência não é conhecimento especulativo das coisas ordinárias espirituais; é a aplicação desses conhecimentos e desses princípios gerais aos casos concretos, com as circunstâncias de tempo, de lugar, de modo etc. A virtude da prudência é uma virtude difícil, e não falemos da prudência de que se necessita para dirigir os outros, mas mesmo desta prudência que é indispensável para dirigir-nos a nós mesmos.
   É coisa difícil, porque, ao mesmo tempo em que devemos olhar para cima, para agir de acordo com princípios e regras muito elevadas, precisamos dar-nos conta de todas e de cada uma das circunstâncias que cercam o ato que vamos realizar; é coisa difícil principalmente nos casos em que devem intervir diversas virtudes.
   Imagino a prudência como o regente de uma grande orquestra com múltiplos instrumentos; cada um produz determinada melodia, e o regente deve assinalar com sua batuta o momento em que cada um deve entrar, os matizes que deve dar a cada melodia etc. Numa palavra, deve reger o conjunto e estabelecer a harmonia entre todos os instrumentos para que formem um todo unido e harmonioso.
   Assim imagino a prudência; a prudência dirige, de certa forma, as demais virtudes, determina para cada uma delas sua oportunidade, seu grau, seu matiz e diz como o homem deve empregá-la. E assim a prudência deve realizar uma harmonia maravilhosa em nossa vida: é, pois, uma virtude profundamente estética.
   Mas nesta matéria, como em todas as demais da vida espiritual, a virtude não basta, tem suas deficiências, por que tem um modo humano. Quantas vezes já repeti esta diferença que existe entre as virtudes e os Dons! As virtudes, regidas pela razão, trazem o seu selo, selo de imperfeição; os Dons, manejados pelo Espírito Santo, têm um selo divino, um selo de perfeição.
   Tratando da prudência, em outro capítulo citei as palavras da Escritura que com duas palavras nos dá a conhecer as imperfeições da prudência humana: “Os pensamentos dos mortais são tímidos e incertos”. Timidez e incerteza, estes são os caracteres da prudência que é apenas virtude.
   Como é difícil unir prudência e audácia! Há homens audazes, mas que se esquecem da retidão da prudência; há homens que parecem prudentes, mas que têm uma prudência tão limitada e tão tímida que não se atrevem a levar a cabo empreendimentos audazes que deveriam realizar.
   Os propósitos humanos são tímidos, como é próprio de um ser imperfeito que não consegue prever o futuro, que não pode examinar profundamente o presente, que tem dificuldade em aplicar os conhecimentos do passado para assegurar o presente e o futuro.
   E, ao mesmo tempo, nossas providências são incertas, e em qualquer assunto, singularmente nas coisas espirituais, como é difícil chegar à firmeza e à segurança! Dispomos e regulamos as coisas sem ter certeza de que alcançaremos o fim desejado; nossas providências são incertas, dependem da sorte, podem dar certo ou não.
   Tais são os caracteres da prudência humana: timidez e incerteza.
   Por isso não seria suficiente a prudência humana, e a própria prudência sobrenatural não bastaria para conduzir-nos às alturas da glória. A vida humana é tão complicada, tão difícil, são tão tortuosos os caminhos pelos quais devemos chegar à perfeição! Encontramos tantos sofrimentos, tantas dificuldades, tantas contrariedades em nossa vida, que se não tivéssemos outra direção a não ser a nossa pobre prudência, não conseguiríamos chegar ao termo!
   Mas Deus, que não falta ao necessário, nos dá um Dom; e por ele o Espírito Santo se converte em nosso guia e, da mesma forma que o Arcanjo Rafael conduziu Tobias em sua longa peregrinação, o Espírito Santo que habita em nossas almas nos guia pelos caminhos tortuosos e complicados da vida, até alcançarmos nossa perfeição no seio inefável de Deus.
   Essa prudência superior e divina, essa prudência que é fruto de uma moção do Espírito Santo, é o que se chama o Dom do Conselho.
   Notemos que não conserva o mesmo nome da virtude; na Fortaleza sim, a virtude e o Dom têm o mesmo nome: virtude da Fortaleza, Dom da Fortaleza; mas a prudência virtude e a prudência Dom, recebem nomes diferentes. O Dom, especialmente nas Escrituras, tem o nome de Conselho.
   E isso se explica, porque essa prudência que recebemos com esse Dom, não é uma prudência que brota, por assim dizer, das profundidades da nossa inteligência; é uma prudência que nos vem de cima, que nos vem de um ser superior; é o Espírito Santo que no-la comunica. Assim como quando não sabemos o que fazer em determinado caso, perguntamos a uma pessoa mais esclarecida para que nos aconselhe assim o Espírito Santo, por este Dom, nos aconselha.
   Mas o seu conselho não é um conselho passageiro como os conselhos humanos; por ele, o Espírito Santo nos move e nos guia de maneira segura, sem timidez nem incerteza, pelos tortuosos caminhos que nos conduzirão à Divindade.

   Compreende-se outra diferença que existe entre a prudência virtude e o Dom do Conselho: a prudência é regida pela razão, o Dom do Conselho, movido pelo Espírito Santo. A prudência põe um modo humano em nossos atos, a incerteza e a timidez; o Espirito Santo põe um modo divino nos atos que procedem do Dom do Conselho.
Quanto a terceira diferença, quero explicá-la mais pormenorizadamente: a virtude e o Dom têm regra diferentes.
   A norma da virtude é a reta razão iluminada pela fé; o que a reta razão iluminada pela fé nos ensina vem servir-nos de norma para que saibamos se nesses precisos momentos devemos fazer tal ou tal ação. A norma do Dom é uma norma mais alta, é divina, é a razão eterna que é norma de Deus.
   Esforçar-me-ei para explicar essa diferença; podemos ver isso na prática: os santos chegaram, às vezes, a fazer coisas que nos enchem de estupor. Santa Catarina de Sena não passava Quaresmas inteiras sem tomar outra coisa a não ser a Sagrada Comunhão? Diante da prudência humana, isto não se pode justificar; a reta razão nos pede que levemos ao noesso organismo o alimento necessário; mas, ao mesmo tempo, não tolera as deficiências na mortificação. É preciso procurar o meio termo da virtude. Mas santa Catarina de Sena fazia esta obra admirável por um instinto superior, por uma norma divina; não via a regra da razão; via a regra altíssima da vontade de Deus.
   Imaginemos que pudéssemos participar da Mente divina para descobrir naquele espelho infinito de luz o que convém fazer em cada caso; assim como aqui na terra, às vezes, quando perguntamos a uma pessoa erudita e experimentada o que devemos fazer em determinado caso, poderíamos dizer que participamos de sua inteligência, profunda e ilustrada, para encontrar ali a norma daquilo que vamos fazer.
   É o que acontece com o Dom do Conselho: por ele o Espírito Santo nos comunica o que devemos fazer em cada momento da nossa vida, como se participássemos da Mente divina e ali, naquele esplêndido e celestial, víssemos as chaves as chaves das nossas ações, a norma de acordo com a qual devemos dispor os nossos atos.
   E é natural que quando agimos sob o regime do Dom do Conselho, nossas ações sejam rápidas, seguras e audazes. Com que audácia procedem os santos, com que segurança, com que rapidez! É que não são aconselhados pelos homens, não seguem o ditame de sua razão e têm uma norma mais alta: é a razão eterna, é a Mente de Deus que ilumina seus espíritos e que lhes determina o caminho que devem seguir.
   Se quisermos um exemplo vivo do que é um homem dirigido pelo Dom do Conselho, temos são Francisco de Sales, o santo da discreção. Tomou como lema a forma da prudência: “Nem mais nem menos”. Este era o lema de seu escudo episcopal. O termo médio da prudência, a harmonia perfeita foi seu caráter, foi seu selo. Mas para poder chegar a ser o santo da discreção, estejamos certos de que não bastou a prudência humana, mas foi necessária uma prudência superior, o Dom do Conselho.
   E em muitíssimos atos dos santos poderíamos encontrar o influxo, o vestígio do Dom do Conselho.    Como é que, por exemplo, são Vicente Ferrer teria podido realizar os milagres com a naturalidade com que os realizava se não fosse guiado pelo Dom do Conselho?
   Tinha até fórmula para fazer milagres; e assim como em nossas fórmulas deixamos um vazio para enchê-lo com aquilo que se trata de fazer, assim o santo dizia algumas palavras do Evangelho, era a sua fórmula, e depois acrescentava: Em nome de Jesus Cristo, esteja curado, ressuscitado, anda, ou qualquer outro milagre que queria realizar; e fazia-os sem dar-lhes muita importância.
   Se alguém de nós quisesse imitar são Vicente Ferrer e tratasse de fazer milagres, cometeria uma ação inteiramente imprudente. E, contudo, agia dessa forma porque o Espírito Santo o movia, porque estava de maneira singular sob o influxo do Dom do Conselho.

   Neste Dom, como em todos, dão-se graus: No primeiro grau, o homem consegue fazer com rapidez e segurança tudo o que é a vontade de Deus nas coisas necessárias para a vida espiritual. Talvez não seja tão simples ter esta segurança; quantas vezes acontece que é mais difícil conhecer a vontade de Deus do que fazê-la.
   Não nos encontramos muitas vezes em circunstâncias singulares nas quais não conseguimos dizer com precisão qual é nosso dever naqueles momentos? Que é que Deus quer que façamos naquelas circunstâncias?
   Quando conhecemos a vontade de Deus, às vezes nos custa segui-la; mas muitas vezes o trabalho maior é conhecê-la, como já disse. Pelo Dom do Conselho a conhecemos de maneira rápida e segura.
Não há dúvida de que o Dom do Conselho é necessário para dirigir e ordenar todas aquelas ações que brotam dos próprios Dons.
   Os Dons agem simultaneamente em nós, ou melhor, o Espírito Santo nos faz agir simultaneamente por meio dos seus Dons e, em diversas ocasiões, é até indispensável em nossa vida espiritual que cooperem diversos Dons; da mesma forma como em nosso organismo, onde quase sempre há necessidade da cooperação de muitos órgãos, e em nossa alma de muitas faculdades para determinada ação. Mas neste mundo dos Dons, as ações que procedem deles devem ser regidas pelo Dom do Conselho.
   Mas o Dom do Conselho influi também nas ações comuns da nossa vida, aquelas que são regidas pela virtude ordinária da prudência. Assim como numa batalha, o general tem a seu cargo um setor especial da batalha, age com liberdade naquele setor, mas recebe as ordens de outro chefe mais alto, assim a virtude da prudência rege nossas ações, mas recebe o influxo e a direção de outro árbitro sobrenatural mais excelente que é o Dom do Conselho.
No segundo grau o Dom do Conselho nos mostra a vontade de Deus, o caminho que devemos seguir, não somente nas coisas necessárias da vida espiritual, mas também nas coisas de conselho, nas coisas que não são absolutamente obrigatórias, mas que são muito convenientes e úteis para levar-nos a Deus.
No terceiro grau, o homem como que se levanta da terra e vive num mundo superior; a mão de Deus o guia com segurança, sem tropeços, sem timidez e o homem vai caminhando pelas sendas que nosso Senhor lhe determina até chegar ao cume da perfeição a que Deus o chamou.

Ditosas as almas que são guiadas pelo Espírito Santo em suas ações! Que paz, que segurança, que tranquilidade nestas almas! Não têm as incertezas da vida humana!
   Não é verdade que uma das maiores misérias desta vida são as nossas incertezas? A cada passo encontramos uma dificuldade, como já disse o sábio: “Todas as coisas são difíceis”. A cada passo nos encontramos com dificuldades; como sair delas? Que é que devemos fazer nestes momentos?
   A Escritura nos diz que há tempo para falar e tempo para calar; devo falar ou devo calar neste momento?  Há tempo para gozar e para sofrer. Como saber com exatidão o que corresponde a este minuto do meu tempo? Quantas incertezas em nosso vida, quantas hesitações, sobretudo quando temos o espírito reto e quando não queremos desviar-nos dos caminhos estabelecidos por Deus.

   Torno a dizê-lo: felizes as almas que são conduzidas pelo Espírito Santo no meio das vicissitudes da vida, entre os tortuosos caminhos da terra! A mão de Deus as guia de maneira segura e trazem em seu coração a tranquilidade e a paz, porque trazem a luz, porque o Espírito Santo as move, porque vão, por assim dizer, sob a sombra de suas asas caminhando triunfantemente pelas sendas da vida que hão de leva-las à doce eternidade. 

Do Livro:  Os Dons do Espírito Santo - Autoria: Luís M. Martinez - Arcebispo Primaz do Mexico.
Apresentação: Pe. Haroldo J. Rahm  SJ. - Edições Paulinas - 1976

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