Dom
de Fortaleza
No capítulo anterior,
procurei assinalar o campo da vida espiritual em que o Dom de Temor de Deus
exerce as suas funções santíssimas. Para praticar o bem, encontramos em nós
mesmos uma dificuldade enorme: a inclinação desordenada que tem ao mal, às
coisas deste mundo, e a atração que as criaturas exercem sobre nós e que a
Escritura chama “o fascínio da vaidade” (Sb 4,12).
Para moderar os nossos
afetos e para ordenar a nossa vida, temos necessidade de que o Espírito Santo
nos una tão intimamente com Deus, que nenhum atrativo e nenhum fascínio terreno
possa arrancar-nos dos braços amorosos do Senhor. Isto é realizado pelo
Espírito Santo, como já procurei explica-lo, pelo Dom de Temor de Deus.
Mas há também outro
campo importantíssimo na vida espiritual, em que há necessidade do influxo
eficaz e decisivo do Espírito Santo. Procurei, com a graça de Deus, explicar o
que é este novo campo de ação.
Sabemos muito bem que
para a vida espiritual, como para qualquer outro empreendimento nobre e generoso,
encontramos dificuldades e perigos. O sábio Salomão dizia: “Todas as coisas são
difíceis” (Eclo 1,8), e nossa experiência nos ensina quão profunda é a frase do
Sábio e como é próprio do humano encontrar dificuldades em tudo. E quanto mais
elevados e generosos são nossos empreendimentos, tanto mais crescem e aumentam
as dificuldades.
Para alcançar a nossa
felicidade eterna, quantos obstáculos temos que superar! Muitas vezes
conhecemos nosso dever de maneira precisa e exata, sentimos o desejo de cumpri-lo
e temos propósitos de caminhar pelas sendas que Deus nos indicou.
Mas, para a nossa
pequenez, é tão difícil cumprir o nosso dever; em cada ato de virtude,
precisamos fazer tantos esforços, tantos sacrifícios, que muitas vezes nossa
debilidade sucumbe e, mesmo sabendo que nos afastamos do caminho reto, deixamos
o empreendimento iniciado sem levar a cabo o propósito que havíamos concebido,
e parece-nos demasiadamente árido a obra que nos havíamos proposto realizar.
Ao mesmo tempo em que
encontramos dificuldades em nossos empreendimentos, principalmente em nossa
vida espiritual, estamos também cercados de perigos. Em toda a parte
encontramos perigos que nos expõem a cair, que nos impede de fazer bem; acaso
não disse Jó que a vida humana é uma tentação, uma luta constante? Não nos diz
o apóstolo são Pedro que o demônio, como um leão que ruge, está sempre em volta
de nós, buscando o momento propício para devorar-nos? Não somente encontramos o
perigo em nossos semelhantes e até mesmo no fundo do nosso próprio ser, mas as
próprias potências infernais conjuram contra nós para impedir que caminhemos,
de maneira reta e rápida, para a perfeição e para a felicidade.
Para sustentar-nos nas
dificuldades, para evitar os perigos, para fazer os esforços indispensáveis ao
cumprimento à vontade de Deus e realizar o fim para o qual nosso Senhor nos pôs
neste mundo, temos necessidade de uma singular firmeza de alma. Por isso se diz
que são os esforçados que alcançam o céu, por isso há relativamente tão poucos
santos, porque são muito poucos os que têm a fortaleza necessária para superar
as dificuldades, para fugir dos perigos, para fazer os esforços e os
sacrifícios que a perfeição a que Deus nos chamou exige.
Para que possamos
superar as dificuldades e fugir dos perigos, nosso Senhor deu-nos um conjunto
de virtudes que se agrupam em torno da virtude cardeal da Fortaleza. São a
paciência, a perseverança, a fidelidade, a magnanimidade etc., todo um grupo de
virtudes que, como um exército em ordem de batalha, está em nós para fortificar-nos,
para alentar-nos, para fazer-nos superar as dificuldades e evitar os perigos.
Mas este grupo de
virtudes sobrenaturais, embora eficacíssimas, ainda não são suficientes para
que possamos superar todas as dificuldades e fugir de todos os perigos; porque
as virtudes como dissemos nos capítulos anteriores, por mais sobrenaturais que
sejam, têm nosso selo, têm o modo humano; e nosso pobre espírito, estreito e
limitado, é muito débil.
Por isso a Escritura
diz que “os pensamentos dos homens são tímidos e as sua providências incertas”
(Sb 4,4). Sim, em nossos atos pomos o nosso selo, nosso selo de debilidade e
deficiência.
De maneira que, para
alcançar a salvação de nossas almas, não basta à virtude da fortaleza com suas
virtudes anexas; é necessário um Dom, um Dom do Espírito Santo que traz o mesmo
nome que a virtude: o Dom de Fortaleza.
Por este Dom o
Espírito Santo nos move de tal forma que podemos superar todas as dificuldades,
fugir de todos os perigos e ter em nossa alma esta confiança que fazia o apóstolo
são Paulo exclamar: “Tudo posso naquele que me dá força” (Fl 4,13). Esta frase
do Apóstolo exprime o que o Dom da Fortaleza produz nas almas.
Vou tratar de
explicar, em quanto me é possível, porque as virtudes não são suficientes para
infundir em nossa alma a firmeza de que temos necessidade para realizar o
grande empreendimento de nossa santificação e como é absolutamente necessário
que outro dom do Espírito Santo, o Dom da Fortaleza, venha consumar a obra.
As virtudes têm uma
norma diferente dos Dons; a regra da virtude da fortaleza é a amplidão das
forças humanas. A fortaleza nos alenta para acometer empreendimentos árduos,
infunde-nos firmeza para superar as dificuldades; mas como tem esta norma, esta
medida: nossas próprias forças, a virtude
da fortaleza não pode possibilitar-nos algo superior às forças humanas.
Toda virtude – dizem
os teólogos – consiste no meio; qualquer desvio da nossa vontade, tanto para a
direita como para esquerda, afasta-nos da virtude. A fortaleza, certamente, não
permite timidez irracional, mas também não pode impelir-nos a empreender, com
presunção e jactância, algo que seja superior as nossas forças. Na Escritura há
este conselho prudentíssimo: “Não procureis o que é superior as vossas forças”.
E a virtude da fortaleza não pode impelir-nos a nenhuma coisa que seja superior
às forças humanas.
Ora, não é superior às
forças humanas a consumação de toda obra e o esforço por evitar todo perigo?
Qual é o homem, por mais firme, forte e tenaz que seja, que possa consumar toda
a obra que empreenda e que possa evitar todos os perigos que encontra em seu
caminho? Isto é algo superior às nossas forças.
É o empreendimento que
todo cristão tem que levar a cabo, a santificação de sua alma, a consecução da
felicidade eterna, é o maior empreendimento, o mais árduo que se possa
imaginar. Poderá o homem, por suas forças – embora ajudado pelos auxílios
devinos, mas por suas próprias forças – alcançar e consumar esta obra colossal
e evitar todos os perigos que pode encontrar durante sua vida? É claro que não,
e por isso tem necessidade de um auxílio superior à virtude, por isso tem
necessidade do Dom da Fortaleza.
O Dom da Fortaleza tem
outra medida. Sabemos qual é? A medida do Dom Fortaleza não são as forças
humanas, não são os esforços angelicais, é a força de Deus, sua força infinita, sua força onipotente; pelo Dom
da Fortaleza, o Espírito Santo nos impele a tudo aquilo que a força de Deus
pode alcançar.
Porque na ordem
sobrenatural e sob a ação do Espírito Santo, a pobre criatura se reveste da
fortaleza de Deus: como que desaparece a nossa debilidade e passamos a
participar da força divina.
Não pensemos que
exagera o apóstolo são Paulo na frase que citei atrás; ele o diz de maneira
claríssima: “Tudo posso naquele que me dá força”. À primeira vista, esta frase
parece jactanciosa e soberba: Tudo posso.
O apóstolo não põe nenhuma limitação, e poder tudo é próprio de Deus: acaso ele
não é o único que pode dizer: Posso tudo? Por que o apóstolo são Paulo se
atreve a pronunciar estas palavras: “Tudo posso naquele que me dá força?”
Ele quer dizer: tudo
posso, porque conto com Deus, porque possuo a força, porque estou revestido de
sua fortaleza divina; tudo posso porque sou confortado por Deus.
Essa é a norma do Dom
da Fortaleza, a força infinita de Deus. E, desde que se possua esta força,
pode-se vencer toda dificuldade; acaso a força infinita de Deus não vence todas
as dificuldades? Os obstáculos não são, não se convertem em meios nas mãos
onipotentes de Deus?
E porque se possui
essa força infinita, é possível superar todos os perigos; não há perigo, por
grave que seja, que não possa ser superado pela força do Altíssimo.
Pelo Dom da Fortaleza
não só temos a firmeza necessária para superar todas as dificuldades e fugir de
todos os perigos, mas o Espírito Santo infunde também em nossas almas uma
confiança como a que exprime o apóstolo são Paulo na frase já citada; uma
confiança, uma segurança que produz em nossas almas a paz, a paz no meio dos
perigos, no meio da luta, no meio das dificuldades.
Penso que não há espetáculo
mais belo e mais importante do que aquele que os santos muitas vezes ofereceram
na história, no meio de dificuldades sem número, tendo que combater com os
poderosos da terra e com as potências do inferno, conservaram a sua paz e a sua
alegria. É que estavam sob a direção Espírito Santo e agiam sob o influxo
eficacíssimo e onipotente do Dom de Fortaleza.
Por esse dom
consuma-se toda obra, supera-se toda dificuldade, evita-se todo o perigo e
supera-se essa vacilação, esse temor, essa timidez que são próprias da natureza
humana.
Não nos revela a
história que grandes conquistadores, soldados valorosos, ao começarem uma
batalha, tremiam e vacilavam por mais que tivessem a experiência de sua prática
e de suas forças? É que na pobre natureza humana sempre permanece a vacilação e
o temor: somos tão frágeis, tão débeis! Mas quando estamos sob o império do
Espírito Santo, quando estamos revestidos da força de Deus, quando o Dom de
Fortaleza dirige nossos atos, acaba-se o temor e a vacilação: “Tudo posso
naquele que me dá força”.
Para que nos demos
conta exata disso e de que os Dons não são uma lenda fantástica nem são algo
especulativo, mas algo perfeitamente prático, quero assinalar alguns traços nas
vidas dos santos. E apelo para o seu testemunho, em primeiro lugar porque os
santos são os que viveram de maneira íntegra e perfeita a vida espiritual; e,
em segundo lugar, porque nessa matéria são as únicas vidas que todos
conhecemos. Quantas vezes há maravilhas de Deus numa alma desconhecida; mas são
o segredo do Altíssimo.
Pelo dom da Fortaleza
os santos alcançaram esta perfeição incrível, gozar no sofrimento. Temos dificuldades em compreender como é
possível que das próprias entranhas da dor brote a alegria; mas esta é a
verdade.
Recordemos a parábola
da perfeita alegria de são Francisco de Assis. Recordemos o que dizia ao Irmão
Leão, Cordeirinho de Deus, quando ia pelo caminho e se detinha para explicar em
que consiste e em que não consiste a perfeita alegria.
Não repetirei esta
conhecidíssima parábola; recordarei unicamente a conclusão a que chegou o
Serafim de Assis: “Irmão Leão, a perfeita alegria consiste em padecer por
Cristo que tudo quis padecer por nós”.
Se não fosse um santo
quem disse tal coisa, julgaríamos que se trata de um paradoxo de algum literato
para impressionar o ânimo dos que lessem as suas obras; mas não, Francisco é
sincero, tem a sinceridade de uma criança, e ele nos diz que a maior alegria, a
perfeita, a que chega ao coração, a que tem um selo celestial consiste em
sofrer. Somente sob o império do Dom da Fortaleza se pode encontrar gosto na
dor.
Outro exemplo daquilo
que o Dom da Fortaleza produz nas almas encontra-se naquele Santo ancião
Inácio, Bispo de Antioquia, que foi levado a Roma para ser martirizado. Dirigiu
aos romanos uma carta maravilhosa, cuja finalidade era suplicar-lhes, pelas
entranhas de Cristo, que não impedissem o seu martírio. E dizia-lhes: “Se as
feras não se lançarem sobre mim, como aconteceu com alguns mártires, eu as
atiçarei para que me devorem. Perdoai-me filhinhos, mas eu sei o que me convém;
porque sou o trigo de Cristo e é preciso que seja triturado pelos dentes das
feras para converter-me em pão imaculado”.
Essas palavras, essa
atitude, não são palavras ou atitude de um sábio, não é a atitude de um homem,
é a atitude de quem está sob o império do Espírito Santo, de quem recebe o
influxo eficacíssimo do Dom da Fortaleza.
E não só para estes
atos extraordinários e heroicos é necessário esse dom; não; em outros santos
encontramos o influxo do Dom da Fortaleza em atos que não são extraordinários
como estes que acabo de citar; por exemplo, são Gregório VII, empreendendo uma
luta gigantesca contra os inimigos da liberdade da Igreja.
Não tinha uma
fortaleza sobre-humana que não era virtude, mas o Dom, santa Teresa de Jesus,
para reformar a Ordem do Carmelo, ao ter que lutar contra os bons e contra os
maus e passar por dificuldades imensas, enquanto muitas vezes trazia na alma
uma enorme desolação? Não teve necessidade do Dom da Fortaleza para realizar os
seus empreendimentos?
E quero deixar claro
que até para a vida ordinária é necessário o Dom da Fortaleza, não somente
porque todo o cristão pode encontrar-se, algumas vezes em situação difícil e
heroica, em que tem necessidade do impulso do Espírito Santo para fazer algo de
extraordinário, mas também para a nossa vida ordinária, para perseverar na
virtude, para fazer todos os esforços que são necessários a fim de alcançar o
céu, para poder vencer os perigos, para superar as dificuldades ordinárias da
nossa vida e, sobretudo, para sentir em nossos corações essa paz e essa
confiança de que temos falado, é absolutamente indispensável o Dom da
Fortaleza.
Graças a Deus o temos,
o recebemos no dia do nosso batismo, e sempre que temos a graça em nossa alma,
temos com a graça o Dom da Fortaleza, e possuímos o Espírito Santo em nosso
coração, e podemos receber no momento que for necessário o influxo eficacíssimo
do Paráclito.
No Dom da Fortaleza existem
graus; no primeiro grau podemos realizar tudo que é absolutamente necessário
para a salvação da nossa alma, tudo o que Deus nos manda, ainda que às vezes
possa ser extraordinário e heroico.
No segundo grau, nosso
espírito adquire uma firmeza superior, não só para que cumpramos o
absolutamente necessário, o que é de preceito, mas também para realizar as
coisas que são de conselho, segundo os deveres e o espírito de cada alma, no
estado em que Deus a colocou.
E no terceiro grau, o
Dom da Fortaleza nos eleva acima de toda a criatura, faz-nos superar a nós
mesmos, coloca-nos no próprio Seio de Deus, onde reina uma confiança sem
limites e uma paz inalterável.
Se conhecêssemos o Dom
de Deus! Se soubéssemos o que é este mundo maravilhoso que trazemos na alma! Se
nos déssemos conta dessa beleza incomparável e divina do mundo sobrenatural!
No mundo exterior há
maravilhas. Quem não se compraz aspirando aos perfumes da primavera numa
campina florida? Quem não experimenta o encanto misterioso que os bosques
umbrosos encerram? Quem não sente a grandeza incomparável do oceano quando ruge
e suas ondas se elevam para o firmamento? Quem não experimenta uma paz
deliciosa quando, em uma noite tranquila, contempla no firmamento as estrelas
que cintilam misteriosas? Todo este mundo não é nada em comparação com mundo
sobrenatural.
E se do mundo que
acabo de descrever passamos ao mundo da ciência e ao mundo da arte, a todas as
maravilhas que o homem realizou, sobretudo na época moderna, volto a dizer a
mesma palavra: tudo isso é nada em comparação com o nosso mundo interior,
porque nele está Deus. No santuário interior encontram-se as graças e os Dons
do Senhor, de modo que trazemos um mundo divino em nosso coração.
Oh! Se o
compreendêssemos, se aquilatássemos a importância que tem, se entrássemos neste
mundo maravilhoso!
Peçamos ao Espírito
Santo para que na próxima solenidade de Pentecostes abra os olhos do nosso
coração ´para contemplar as maravilhas que trazemos em nosso interior e que
impulsione as nossas almas para que vivamos essa vida, essa vida que Jesus
Cristo nos adquiriu com o seu sangue, essa vida que ele mantém constantemente
em nossos corações.
Oh Espírito Santo!
Vinde, Luz das almas! Abri os nossos olhos para que possamos compreender as
maravilhas que possuímos em nossos corações! Vinde, iluminai-nos, movei-nos,
vivificai-nos, impulsionai-nos, para que esqueçamos este pobre mundo exterior
tão deficiente e imperfeito, e vivamos nesse outro mundo interior onde habitais
e onde nos dais, como soberano esplêndido, vossos dons magníficos, os de vossa
onipotência infinita!
Do Livro “Os Dons do
Espírito Santo” Autor: Luis M. Martinez, Arcebispo Primaz do Mexico.
Apresentação de Pe. Haroldo J. Rahm.
S.J. Edições Paulinas: 1976.
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