quinta-feira, 13 de junho de 2013

Espírito Santo - Dom de Fortaleza


Dom de Fortaleza


   No capítulo anterior, procurei assinalar o campo da vida espiritual em que o Dom de Temor de Deus exerce as suas funções santíssimas. Para praticar o bem, encontramos em nós mesmos uma dificuldade enorme: a inclinação desordenada que tem ao mal, às coisas deste mundo, e a atração que as criaturas exercem sobre nós e que a Escritura chama “o fascínio da vaidade” (Sb 4,12).
   Para moderar os nossos afetos e para ordenar a nossa vida, temos necessidade de que o Espírito Santo nos una tão intimamente com Deus, que nenhum atrativo e nenhum fascínio terreno possa arrancar-nos dos braços amorosos do Senhor. Isto é realizado pelo Espírito Santo, como já procurei explica-lo, pelo Dom de Temor de Deus.
   Mas há também outro campo importantíssimo na vida espiritual, em que há necessidade do influxo eficaz e decisivo do Espírito Santo. Procurei, com a graça de Deus, explicar o que é este novo campo de ação.
   Sabemos muito bem que para a vida espiritual, como para qualquer outro empreendimento nobre e generoso, encontramos dificuldades e perigos. O sábio Salomão dizia: “Todas as coisas são difíceis” (Eclo 1,8), e nossa experiência nos ensina quão profunda é a frase do Sábio e como é próprio do humano encontrar dificuldades em tudo. E quanto mais elevados e generosos são nossos empreendimentos, tanto mais crescem e aumentam as dificuldades.
   Para alcançar a nossa felicidade eterna, quantos obstáculos temos que superar! Muitas vezes conhecemos nosso dever de maneira precisa e exata, sentimos o desejo de cumpri-lo e temos propósitos de caminhar pelas sendas que Deus nos indicou.
   Mas, para a nossa pequenez, é tão difícil cumprir o nosso dever; em cada ato de virtude, precisamos fazer tantos esforços, tantos sacrifícios, que muitas vezes nossa debilidade sucumbe e, mesmo sabendo que nos afastamos do caminho reto, deixamos o empreendimento iniciado sem levar a cabo o propósito que havíamos concebido, e parece-nos demasiadamente árido a obra que nos havíamos proposto realizar.
   Ao mesmo tempo em que encontramos dificuldades em nossos empreendimentos, principalmente em nossa vida espiritual, estamos também cercados de perigos. Em toda a parte encontramos perigos que nos expõem a cair, que nos impede de fazer bem; acaso não disse Jó que a vida humana é uma tentação, uma luta constante? Não nos diz o apóstolo são Pedro que o demônio, como um leão que ruge, está sempre em volta de nós, buscando o momento propício para devorar-nos? Não somente encontramos o perigo em nossos semelhantes e até mesmo no fundo do nosso próprio ser, mas as próprias potências infernais conjuram contra nós para impedir que caminhemos, de maneira reta e rápida, para a perfeição e para a felicidade.
   Para sustentar-nos nas dificuldades, para evitar os perigos, para fazer os esforços indispensáveis ao cumprimento à vontade de Deus e realizar o fim para o qual nosso Senhor nos pôs neste mundo, temos necessidade de uma singular firmeza de alma. Por isso se diz que são os esforçados que alcançam o céu, por isso há relativamente tão poucos santos, porque são muito poucos os que têm a fortaleza necessária para superar as dificuldades, para fugir dos perigos, para fazer os esforços e os sacrifícios que a perfeição a que Deus nos chamou exige.
   Para que possamos superar as dificuldades e fugir dos perigos, nosso Senhor deu-nos um conjunto de virtudes que se agrupam em torno da virtude cardeal da Fortaleza. São a paciência, a perseverança, a fidelidade, a magnanimidade etc., todo um grupo de virtudes que, como um exército em ordem de batalha, está em nós para fortificar-nos, para alentar-nos, para fazer-nos superar as dificuldades e evitar os perigos.
   Mas este grupo de virtudes sobrenaturais, embora eficacíssimas, ainda não são suficientes para que possamos superar todas as dificuldades e fugir de todos os perigos; porque as virtudes como dissemos nos capítulos anteriores, por mais sobrenaturais que sejam, têm nosso selo, têm o modo humano; e nosso pobre espírito, estreito e limitado, é muito débil.
   Por isso a Escritura diz que “os pensamentos dos homens são tímidos e as sua providências incertas” (Sb 4,4). Sim, em nossos atos pomos o nosso selo, nosso selo de debilidade e deficiência.
De maneira que, para alcançar a salvação de nossas almas, não basta à virtude da fortaleza com suas virtudes anexas; é necessário um Dom, um Dom do Espírito Santo que traz o mesmo nome que a virtude: o Dom de Fortaleza.
   Por este Dom o Espírito Santo nos move de tal forma que podemos superar todas as dificuldades, fugir de todos os perigos e ter em nossa alma esta confiança que fazia o apóstolo são Paulo exclamar: “Tudo posso naquele que me dá força” (Fl 4,13). Esta frase do Apóstolo exprime o que o Dom da Fortaleza produz nas almas.
   Vou tratar de explicar, em quanto me é possível, porque as virtudes não são suficientes para infundir em nossa alma a firmeza de que temos necessidade para realizar o grande empreendimento de nossa santificação e como é absolutamente necessário que outro dom do Espírito Santo, o Dom da Fortaleza, venha consumar a obra.
   As virtudes têm uma norma diferente dos Dons; a regra da virtude da fortaleza é a amplidão das forças humanas. A fortaleza nos alenta para acometer empreendimentos árduos, infunde-nos firmeza para superar as dificuldades; mas como tem esta norma, esta medida: nossas próprias forças, a virtude da fortaleza não pode possibilitar-nos algo superior às forças humanas.
   Toda virtude – dizem os teólogos – consiste no meio; qualquer desvio da nossa vontade, tanto para a direita como para esquerda, afasta-nos da virtude. A fortaleza, certamente, não permite timidez irracional, mas também não pode impelir-nos a empreender, com presunção e jactância, algo que seja superior as nossas forças. Na Escritura há este conselho prudentíssimo: “Não procureis o que é superior as vossas forças”. E a virtude da fortaleza não pode impelir-nos a nenhuma coisa que seja superior às forças humanas.
   Ora, não é superior às forças humanas a consumação de toda obra e o esforço por evitar todo perigo? Qual é o homem, por mais firme, forte e tenaz que seja, que possa consumar toda a obra que empreenda e que possa evitar todos os perigos que encontra em seu caminho? Isto é algo superior às nossas forças.
   É o empreendimento que todo cristão tem que levar a cabo, a santificação de sua alma, a consecução da felicidade eterna, é o maior empreendimento, o mais árduo que se possa imaginar. Poderá o homem, por suas forças – embora ajudado pelos auxílios devinos, mas por suas próprias forças – alcançar e consumar esta obra colossal e evitar todos os perigos que pode encontrar durante sua vida? É claro que não, e por isso tem necessidade de um auxílio superior à virtude, por isso tem necessidade do Dom da Fortaleza.
   O Dom da Fortaleza tem outra medida. Sabemos qual é? A medida do Dom Fortaleza não são as forças humanas, não são os esforços angelicais, é a força de Deus, sua força infinita, sua força onipotente; pelo Dom da Fortaleza, o Espírito Santo nos impele a tudo aquilo que a força de Deus pode alcançar.
   Porque na ordem sobrenatural e sob a ação do Espírito Santo, a pobre criatura se reveste da fortaleza de Deus: como que desaparece a nossa debilidade e passamos a participar da força divina.
   Não pensemos que exagera o apóstolo são Paulo na frase que citei atrás; ele o diz de maneira claríssima: “Tudo posso naquele que me dá força”. À primeira vista, esta frase parece jactanciosa e soberba: Tudo posso. O apóstolo não põe nenhuma limitação, e poder tudo é próprio de Deus: acaso ele não é o único que pode dizer: Posso tudo? Por que o apóstolo são Paulo se atreve a pronunciar estas palavras: “Tudo posso naquele que me dá força?”
   Ele quer dizer: tudo posso, porque conto com Deus, porque possuo a força, porque estou revestido de sua fortaleza divina; tudo posso porque sou confortado por Deus.
Essa é a norma do Dom da Fortaleza, a força infinita de Deus. E, desde que se possua esta força, pode-se vencer toda dificuldade; acaso a força infinita de Deus não vence todas as dificuldades? Os obstáculos não são, não se convertem em meios nas mãos onipotentes de Deus?
   E porque se possui essa força infinita, é possível superar todos os perigos; não há perigo, por grave que seja, que não possa ser superado pela força do Altíssimo.
   Pelo Dom da Fortaleza não só temos a firmeza necessária para superar todas as dificuldades e fugir de todos os perigos, mas o Espírito Santo infunde também em nossas almas uma confiança como a que exprime o apóstolo são Paulo na frase já citada; uma confiança, uma segurança que produz em nossas almas a paz, a paz no meio dos perigos, no meio da luta, no meio das dificuldades.
   Penso que não há espetáculo mais belo e mais importante do que aquele que os santos muitas vezes ofereceram na história, no meio de dificuldades sem número, tendo que combater com os poderosos da terra e com as potências do inferno, conservaram a sua paz e a sua alegria. É que estavam sob a direção Espírito Santo e agiam sob o influxo eficacíssimo e onipotente do Dom de Fortaleza.
Por esse dom consuma-se toda obra, supera-se toda dificuldade, evita-se todo o perigo e supera-se essa vacilação, esse temor, essa timidez que são próprias da natureza humana.
   Não nos revela a história que grandes conquistadores, soldados valorosos, ao começarem uma batalha, tremiam e vacilavam por mais que tivessem a experiência de sua prática e de suas forças? É que na pobre natureza humana sempre permanece a vacilação e o temor: somos tão frágeis, tão débeis! Mas quando estamos sob o império do Espírito Santo, quando estamos revestidos da força de Deus, quando o Dom de Fortaleza dirige nossos atos, acaba-se o temor e a vacilação: “Tudo posso naquele que me dá força”.

   Para que nos demos conta exata disso e de que os Dons não são uma lenda fantástica nem são algo especulativo, mas algo perfeitamente prático, quero assinalar alguns traços nas vidas dos santos. E apelo para o seu testemunho, em primeiro lugar porque os santos são os que viveram de maneira íntegra e perfeita a vida espiritual; e, em segundo lugar, porque nessa matéria são as únicas vidas que todos conhecemos. Quantas vezes há maravilhas de Deus numa alma desconhecida; mas são o segredo do Altíssimo.
   Pelo dom da Fortaleza os santos alcançaram esta perfeição incrível, gozar no sofrimento. Temos dificuldades em compreender como é possível que das próprias entranhas da dor brote a alegria; mas esta é a verdade.
   Recordemos a parábola da perfeita alegria de são Francisco de Assis. Recordemos o que dizia ao Irmão Leão, Cordeirinho de Deus, quando ia pelo caminho e se detinha para explicar em que consiste e em que não consiste a perfeita alegria.
   Não repetirei esta conhecidíssima parábola; recordarei unicamente a conclusão a que chegou o Serafim de Assis: “Irmão Leão, a perfeita alegria consiste em padecer por Cristo que tudo quis padecer por nós”.
   Se não fosse um santo quem disse tal coisa, julgaríamos que se trata de um paradoxo de algum literato para impressionar o ânimo dos que lessem as suas obras; mas não, Francisco é sincero, tem a sinceridade de uma criança, e ele nos diz que a maior alegria, a perfeita, a que chega ao coração, a que tem um selo celestial consiste em sofrer. Somente sob o império do Dom da Fortaleza se pode encontrar gosto na dor.
   Outro exemplo daquilo que o Dom da Fortaleza produz nas almas encontra-se naquele Santo ancião Inácio, Bispo de Antioquia, que foi levado a Roma para ser martirizado. Dirigiu aos romanos uma carta maravilhosa, cuja finalidade era suplicar-lhes, pelas entranhas de Cristo, que não impedissem o seu martírio. E dizia-lhes: “Se as feras não se lançarem sobre mim, como aconteceu com alguns mártires, eu as atiçarei para que me devorem. Perdoai-me filhinhos, mas eu sei o que me convém; porque sou o trigo de Cristo e é preciso que seja triturado pelos dentes das feras para converter-me em pão imaculado”.
   Essas palavras, essa atitude, não são palavras ou atitude de um sábio, não é a atitude de um homem, é a atitude de quem está sob o império do Espírito Santo, de quem recebe o influxo eficacíssimo do Dom da Fortaleza.
   E não só para estes atos extraordinários e heroicos é necessário esse dom; não; em outros santos encontramos o influxo do Dom da Fortaleza em atos que não são extraordinários como estes que acabo de citar; por exemplo, são Gregório VII, empreendendo uma luta gigantesca contra os inimigos da liberdade da Igreja.
   Não tinha uma fortaleza sobre-humana que não era virtude, mas o Dom, santa Teresa de Jesus, para reformar a Ordem do Carmelo, ao ter que lutar contra os bons e contra os maus e passar por dificuldades imensas, enquanto muitas vezes trazia na alma uma enorme desolação? Não teve necessidade do Dom da Fortaleza para realizar os seus empreendimentos?

   E quero deixar claro que até para a vida ordinária é necessário o Dom da Fortaleza, não somente porque todo o cristão pode encontrar-se, algumas vezes em situação difícil e heroica, em que tem necessidade do impulso do Espírito Santo para fazer algo de extraordinário, mas também para a nossa vida ordinária, para perseverar na virtude, para fazer todos os esforços que são necessários a fim de alcançar o céu, para poder vencer os perigos, para superar as dificuldades ordinárias da nossa vida e, sobretudo, para sentir em nossos corações essa paz e essa confiança de que temos falado, é absolutamente indispensável o Dom da Fortaleza.
   Graças a Deus o temos, o recebemos no dia do nosso batismo, e sempre que temos a graça em nossa alma, temos com a graça o Dom da Fortaleza, e possuímos o Espírito Santo em nosso coração, e podemos receber no momento que for necessário o influxo eficacíssimo do Paráclito.

   No Dom da Fortaleza existem graus; no primeiro grau podemos realizar tudo que é absolutamente necessário para a salvação da nossa alma, tudo o que Deus nos manda, ainda que às vezes possa ser extraordinário e heroico.
   No segundo grau, nosso espírito adquire uma firmeza superior, não só para que cumpramos o absolutamente necessário, o que é de preceito, mas também para realizar as coisas que são de conselho, segundo os deveres e o espírito de cada alma, no estado em que Deus a colocou.
   E no terceiro grau, o Dom da Fortaleza nos eleva acima de toda a criatura, faz-nos superar a nós mesmos, coloca-nos no próprio Seio de Deus, onde reina uma confiança sem limites e uma paz inalterável.

   Se conhecêssemos o Dom de Deus! Se soubéssemos o que é este mundo maravilhoso que trazemos na alma! Se nos déssemos conta dessa beleza incomparável e divina do mundo sobrenatural!
   No mundo exterior há maravilhas. Quem não se compraz aspirando aos perfumes da primavera numa campina florida? Quem não experimenta o encanto misterioso que os bosques umbrosos encerram? Quem não sente a grandeza incomparável do oceano quando ruge e suas ondas se elevam para o firmamento? Quem não experimenta uma paz deliciosa quando, em uma noite tranquila, contempla no firmamento as estrelas que cintilam misteriosas? Todo este mundo não é nada em comparação com mundo sobrenatural.
   E se do mundo que acabo de descrever passamos ao mundo da ciência e ao mundo da arte, a todas as maravilhas que o homem realizou, sobretudo na época moderna, volto a dizer a mesma palavra: tudo isso é nada em comparação com o nosso mundo interior, porque nele está Deus. No santuário interior encontram-se as graças e os Dons do Senhor, de modo que trazemos um mundo divino em nosso coração.
   Oh! Se o compreendêssemos, se aquilatássemos a importância que tem, se entrássemos neste mundo maravilhoso!
   Peçamos ao Espírito Santo para que na próxima solenidade de Pentecostes abra os olhos do nosso coração ´para contemplar as maravilhas que trazemos em nosso interior e que impulsione as nossas almas para que vivamos essa vida, essa vida que Jesus Cristo nos adquiriu com o seu sangue, essa vida que ele mantém constantemente em nossos corações.

   Oh Espírito Santo! Vinde, Luz das almas! Abri os nossos olhos para que possamos compreender as maravilhas que possuímos em nossos corações! Vinde, iluminai-nos, movei-nos, vivificai-nos, impulsionai-nos, para que esqueçamos este pobre mundo exterior tão deficiente e imperfeito, e vivamos nesse outro mundo interior onde habitais e onde nos dais, como soberano esplêndido, vossos dons magníficos, os de vossa onipotência infinita!


Do Livro “Os Dons do Espírito Santo” Autor: Luis M. Martinez, Arcebispo Primaz do Mexico. Apresentação de Pe. Haroldo J. Rahm.  S.J. Edições Paulinas: 1976.

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