domingo, 9 de junho de 2013

Espírito Santo - Dom de Temor de Deus

DOM  DE  TEMOR
(Temor de Deus)


No capítulo anterior esforcei-me por expor a noção dos Dons do Espírito Santo. Disse que eram receptores sobrenaturais que têm o maravilhoso privilégio de captar as moções do Espírito Santo e que imprime em nossos atos um modo divino, porque os submetem a uma regra altíssima.
O nome e o número destes dons encontram-se na clássica passagem do profeta Isaías: “Brotará um ramo da raiz de Jessé, uma flor nascerá desta raiz, e descansará nela o Espírito de Sabedoria e de Entendimento, o Espírito de Conselho e de Fortaleza, o Espirito de Ciência e de Piedade, e a encherá o Espírito de Temor do Senhor”. O que Isaías chama “espírito” é o que na técnica teológica se chamam “Dons”.
Isaías enumera sete: Sabedoria e Entendimento, Conselho e Fortaleza, Ciência e Piedade, e Temor de Deus.
Para que compreendamos o que é cada um destes Dons e como o Espírito Santo opera por meio deles em nossa alma e a pode mover segundo seu divino beneplácito vou servir-me de uma comparação. Imaginemos uma grande fábrica onde há múltiplas e maravilhosas máquinas, diversos departamentos, admiravelmente organizados, como convém a uma obra perfeita. O diretor daquela fábrica, evidentemente, quer estar em contato, a qualquer momento, com cada um dos departamentos e das oficinas; e para conseguir isso, faz uma instalação de telefones ou de aparelhos receptores de rádio nos pontos principais de sua grande fábrica, para que ele, de seu ponto de comando, possa comunicar-se com todos, dirigindo e movendo tudo.
Assim o Espírito Santo, que habita em nós quando possuímos a graça de Deus, que é o doce Hóspede da alma, como o chama a Igreja, e que dirige de maneira magistral nossa vida espiritual, quis estabelecer nas diferentes partes do complicadíssimo ser humano estas realidades misteriosas, estes receptores que são os Dons do Espírito, pelos quais ele se comunica conosco, e pode infundir em todas e em cada uma das nossas faculdades humanas.

Podemos contemplar, em grandes traços, o conjunto das nossas faculdades. Acima de todas, como uma centelha de Deus, está o entendimento. É a faculdade mais alta, a mais nobre que possuímos, a que nos torna semelhantes aos anjos, a que põe em nossas almas um traço da imagem de Deus.
Nesta faculdade altíssima, precisamente por sua nobreza e excelência, o Espírito Santo colocou quatro dons: Sabedoria, Entendimento, Ciência e Conselho, que correspondem maravilhosamente aos diferentes hábitos intelectuais que os filósofos dizem que temos em nosso entendimento.
Pelo Dom do Entendimento penetramos nas verdades divinas, e para julgar destas verdades temos três dons:
- o da Sabedoria que julga das coisas divinas;
- o da Ciência que julga das criaturas;
- o do conselho que regula e dispõe os nossos atos.
Na vontade, que é a faculdade que segue em categoria e nobreza a nossa inteligência, há um Dom, o dom da piedade, que tem por objeto regular e dispor nossas relações com os demais.
Para dominar a parte inferior do nosso ser, há dois dons; o de Fortaleza para tirar-nos o temor do perigo; e o Temor de Deus para moderar os ímpetos desordenados da nossa concupiscência.
E assim, desde o ápice do nosso espírito, que é a inteligência, até a porção inferior do nosso ser, o Espírito Santo tem os seus Dons para comunicar-se com este mundo que trazemos em nós, para poder inspirar e mover todos os nossos atos humanos.
À primeira vista, podemos surpreender-nos de que na vontade, que tem tão grande importância em nossa vida moral, não haja mais do que um Dom, e este com uma atividade muito limitada, porque o Dom de Piedade – como já disse – tem por finalidade dispor nossas relações com os demais; a razão dessa anomalia consiste em que, em nossa vontade, possuímos duas virtudes altíssimas: a Esperança e a Caridade; estas virtudes são superiores aos dons e podem, por conseguinte, ter ao mesmo tempo função de virtude e função de Dom.
No capítulo anterior, disse que as virtudes nos servem para a direção que a razão imprime à nossa vida, e que os Dons são preciosos instrumentos que o Espírito Santo utiliza para sua direção mais alta. É natural que os instrumentos da direção estejam em proporção com aquele que dirige; mas a Caridade e a  Esperança são virtudes tão altas, são instrumentos tão preciosos que ao mesmo tempo que nossa razão pode dispor delas – imprimindo-lhes, naturalmente, o seu modo humano –, o Espírito também as utiliza como preciosos instrumentos para realizar as suas maravilhas.
E assim, por exemplo, a Caridade, essa caridade que o Espírito Santo derrama em nossos corações, esse amor sobrenatural e divino que nos faz amar a Deus por si mesmo e nosso próximo por amor de Deus, a caridade pode ser – se me é permitida a expressão demasiadamente humana – manejada por nossa razão e produzir um amor sobrenatural mas imperfeito, e pode ser movida pelo Espírito Santo e então produzir um amor profundo e altíssimo.
Por este conjunto de Dons, o Espírito Santo possui por completo a nossa alma, e estes dons têm entre si relações estreitas. O profeta Isaías, na enumeração que acabo de fazer, coloca-os aos pares: Espírito de Sabedoria e Entendimento; Espírito de Conselho e de Fortaleza; Espírito de Ciência e de Piedade; Espírito de Temor de Deus.
Entre estes Dons que formam cada par, há uma união estreitíssima; o primeiro de cada par é o diretor do outro: a Sabedoria dirige o Entendimento; o Conselho dirige a Fortaleza, a Ciência dirige a Piedade, e o Temor de Deus é dirigido diretamente pela Sabedoria que é como diretora geral de todos os demais dons. 
Se considerarmos a importância deles, a excelência de cada um, poderemos enumerá-los assim: o mais perfeito de todos é a Sabedoria; depois vem o Entendimento, em seguida a Ciência, depois o Conselho, a seguir a Piedade e a Fortaleza, e o que é inferior a todos, o Dom do Temor de Deus.
Se pudéssemos dar-nos conta exata do que é este mundo interior que trazemos em nossa alma! Se pudéssemos compreender como o Espírito Santo habita verdadeiramente em nós e nos possui! Volto à minha comparação, que nem por ser prosaica deixa de ser exata: um diretor de uma fábrica que tem uma magnífica instalação em todos os departamentos dela e que pode comunicar-se, a qualquer momento, com todas as dependências daquela fábrica para poder dar suas ordens e dirigir tudo, pode-se dizer que em seu escritório central tem a fábrica inteira; assim o Espírito Santo, habitando no santuário interior da nossa alma e sendo o Doce Hóspede dela, tem, por meio dos seus Dons, a posse de todas as nossas faculdades.
Verdadeiramente, o Espírito Santo é a alma da nossa alma e a vida da nossa vida. É pena que frequentemente nos esqueçamos deste mundo que trazemos dentro de nós. É pena que fascinados pelas coisas da terra, muitas vezes percamos a noção das coisas divinas! A cada um de nós poder-se-ia dizer o que nosso Senhor disse à Samaritana junto ao poço de Jacó: “Se conhecesses o Dom de Deus!” Se soubéssemos o que trazemos dentro de nossa alma! Riquezas sobrenaturais, riquezas divinas que podemos maravilhosamente explorar.

Mas convém examinar, um por um, os Dons desta série magnífica que o Espírito Santo derrama em nossas almas. Começaremos pelo inferior de todos, o Dom de temor de Deus.
À primeira vista, parece estranho que haja um Dom de Temor; acaso todos os Dons não têm por raiz a Caridade? E não diz a Escritura que o amor perfeito exclui o temor? Como é possível que desta raiz profunda e divina da caridade brote o Temor de Deus?
Para compreender isso é necessária uma análise. Há diversas classes de temores; há temor de pena e temor de culpa; há também um temor mundano. Quantas vezes, pelo temor de um mal terreno, de um mal temporal, nos esquecemos dos santos preceitos de Deus e cometemos um pecado! Quantos homens existem que, por temor mundano, se afastam de Deus!
Há outro temor que nos afasta do pecado, que nos aproxima de Deus, mas que é demasiadamente imperfeito; os teólogos o chamam “temor servil”; é o temor do castigo. Não há dúvida de que, muitas vezes, o temor do castigo nos impede de cair no pecado, mas também é certo que o motivo é de ordem inferior, é mesquinho, não tem a nobreza própria do amor. O temor servil não é o dom de Temor de Deus de que estou tratando.
Há outro temor que se chama filial, e consiste na repugnância que a alma sente em afastasse de Deus, é um temor que brota das próprias entranhas do amor. É verdade que o amor perfeito exclui o temor, mas há um temor que o amor não exclui, há um temor que está, por assim dizer, na base do amor.
Quem quer, quem ama, sente um temor profundo de afastasse do amado ou causar-lhe desgosto; não se conceberia o amor sem este temor.
Poderia repetir aqui uma frase de santo Agostinho: “Dê-me alguém que me ame, e entenderá o que digo”.
Para aquele que ama, para aquele em quem o amor profundo se apoderou de todo o seu ser, há um temor que está acima de todos os temores, a separação do amado, e este temor dirigido pelo Espírito Santo é precisamente o que constitui o Dom do Temor.
O Espírito Santo nos une de tal maneira a ele que nos infunde um horror instintivo, profundo, eficacíssimo, de afastar-nos de Deus, que nos faz dizer: tudo, menos perder nossa união estreitíssima com o ser amado. É um temor filial, é um temor nobilíssimo, é um temor que brota das próprias entranhas do amor; esse temor filial, perfeito e amoroso, é o que constitui o Dom de Temor de Deus.
A Sagrada Escritura nos assegura, em muitas passagens, que o Temor de Deus é o princípio da sabedoria, e assim o é realmente, desde que esta expressão seja entendida devidamente. O Temor de Deus não é o princípio da sabedoria no sentido que do temor brote a essência dela, como dos princípios de uma ciência emanam suas conclusões; o Temor de Deus é princípio da sabedoria no sentido de que esse Dom produz o primeiro efeito na obra divina da sabedoria.
E, da mesma maneira, são princípios de sabedoria os diferentes temores.
O temor servil é princípio de sabedoria, mas não no sentido de que influi nela, mas no sentido de que prepara e dispõe a alma para que a ela possa vir à sabedoria. O temor servil é princípio de sabedoria como os fundamentos são o princípio do edifício; estando ocultos, não têm a beleza das linhas que irá ter o edifício, mas é preciso que o edifício repouse sobre eles. Assim o amor servil, afastando-nos do pecado, produz em nossa alma a pureza necessária para que nela possa penetrar o amor verdadeiro.
O temor filial e, num sentido mais perfeito, o princípio da sabedoria, porque, para que possamos possuir a sabedoria divina, temos necessidade de nos unirmos tão estreitamente a Deus que nada nos possa separar dele, e o Dom do Temor nos une assim a Deus. O Dom do Temor impede que algum dia venhamos a nos apartar do amado, e, neste sentido, o princípio da Sabedoria é o Temor de Deus.

Este Dom vem corresponder de maneira maravilhosa às diferentes virtudes; a humildade, porque a humildade nos coloca em nosso próprio lugar, nos faz conhecer nosso verdadeiro valor impede essas rebeliões contra Deus e essa presunção que nos faz julgar-nos superiores ao que somos. O Dom de Temor de Deus, unindo-nos com Deus, faz-nos sentir profundamente a nossa miséria.
Corresponde também ao grupo de virtudes da temperança, porque estas virtudes moderam a nossa concupiscência, os impulsos desordenados do nosso coração; mas o temor de Deus por um princípio altíssimo, por um princípio divino, também nos coloca na ordem, na moderação, na paz.
O Dom do Temor inspirou muitos traços primorosos da vida dos santos; recordemos alguns exemplos fornecidos pela vida dos santos. Acaso não estamos lembrados de que S. Luís Gonzaga chorou e se afligiu quando teve que confessar suas pequenas faltas que nós temos até dificuldade em pensar que fossem pecados? Por que aquelas lágrimas? Por que aquela dor? Porque aquilatava a magnitude daquelas faltas, que nos parecem pequeníssimas, sob o influxo do Dom de Temor, via naquelas faltas o mal, um vestígio da separação de Deus; eram sumamente leves, certamente, mas, será que para o temor há coisas leves? Quando se ama com paixão, o mais leve perigo de se afastasse do objeto amado não despedaça o coração?
Este mesmo Dom de Temor influía em santa Juliana de Falconeri que tremia ao ouvir o nome do pecado, que desmaiava quando ouvia relatar um crime. É algo superior, algo profundíssimo, algo muito mais perfeito do que nós, por nossas pobres faculdades podemos alcançar; é o efeito sobrenatural que o Espírito Santo produz em nossas almas para que olhem com horror o pecado, para que adiram intensamente a Deus.

Como é natural, nos Dons existem graus, como acontece também nas virtudes. Qualquer faculdade na ordem natural pode aperfeiçoar-se gradativamente e, à medida que seus atos se aperfeiçoam, tornam-se mais intensos, mais perfeitos. Não estão no mesmo grau a inteligência de um estudante que está apenas se aproximando dos sagrados umbrais da ciência, e a inteligência daquele que faz um estudo completo das ciências próprias de sua profissão e, sobretudo, a inteligência do sábio que passou a vida em estudos sérios e profundos. As faculdades naturais crescem com o exercício, vão se desenvolvendo cada vez mais e nelas podemos distinguir vários graus.
O mesmo acontece com a ordem sobrenatural; as virtudes têm seus graus e os Dons também os têm. O Dom de Temor de Deus, no primeiro grau, produz horror ao pecado e força para vencer as tentações.
Pelas virtudes nos afastamos do pecado, vencemos a tentação, mas com quantas lutas, com quantas deficiências! Sabemo-lo por triste experiência; nossos esforços espirituais nem sempre são gloriosos: Quantas vezes nos sentimos vencidos! Em muitas outras ocasiões embora no fim de contas acabamos sendo vencedores, tivemos deficiências, vacilamos, e somente depois de muitos esforços conseguimos a vitória!
Pelo Dom do Temor de Deus, a vitória é rápida, a vitória é perfeita. Quantas vezes sentimos isto no fundo das nossas almas! Não ouve ocasiões em que na presença de uma tentação ou de um perigo sentimos um impulso rápido e instintivo que nos afasta do pecado? É o Espírito Santo que nos move pelo Dom de Temor.
No segundo graus deste Dom, a alma não somente se afasta do pecado, mas também adere a Deus com profunda reverência. Não somente se reverencia a Deus até evitar toda classe de pecado, mas até evitar essas irreverências que, sem serem propriamente faltas, são sempre sinais de imperfeição.
Este respeito profundo que os santos tiveram por tudo o que é sagrado, pela Igreja, pelo Evangelho, pelo sacerdote, é feito do Temor de Deus. Todo o divino é reverenciado; a alma que está sob império do Dom de Temor desejaria não cometer a mínima falta em tudo o que se refere ao respeito e à veneração que é devida a Deus.
No terceiro grau deste Dom produz-se um efeito maravilhoso. Por isso dizem os teólogos que o Dom de Temor de Deus é o que produz a primeira das Bem-aventuranças: Bem-aventurados os pobres, porque deles é o Reino dos Céus. A bem-aventurança da pobreza e do desprendimento é fruto do Temor de Deus.
Quando aderimos de tal forma a Deus e nos afastamos de tudo o que nos poderia afastar dele a ponto de perderem para nós o fascínio das coisas exteriores, então a alma se sente livre, experimenta um desprendimento divino que é característico deste período da vida espiritual; e chega-se a este cume glorioso do qual Jesus Cristo disse: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”.
O desprendimento de Francisco de Assis que tinha na conta de nada todas as coisas da terra, o desprendimento que Jesus Cristo aconselhou ao jovem do Evangelho quando lhe disse: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e vem e segue-me”, esse desprendimento é fruto do Dom do Temor de Deus.

   Não é verdade que estas considerações, à primeira vista elevadas, difíceis, e que poderiam ser julgadas inadequadas à nossa situação ordinária, abrem horizontes ao nosso Espírito?
Como é belo contemplar os caminhos que levam ao cume! Nós talvez estejamos bem próximos do vale, talvez tenhamos apenas chegado aos primeiros contrafortes da montanha; mas como se conforta o espírito, como se dilata o coração quando contemplamos os cumes gloriosos, quando sabemos que somo destinados a chegar a essas alturas, e como serve de acicate à nossa pequenez e à nossa debilidade saber que o Espírito Santo vive em nós e que tem em nosso coração preciosos instrumentos para impelir-nos e elevar-nos, para levar-nos às alturas!
   Através de cada um destes Dons devemos contemplar o Espírito Santo, o Diretor Supremo, o Motor inefável e divino das nossas almas. E é consolador e reconfortante pensar que esse Espírito Santo nunca está separado dos seus Dons, e com seus Dons, que são preciosos instrumentos, pode influir em todas as partes do nosso ser.
   Levantemos nossos olhos às alturas, levantemos nossos corações ao Céu, Corações ao alto! Como diz o sacerdote todos os dias na Santa Missa, levantemos nossos corações e penetremos no seio infinito de Deus. Contemplemos aquele amor inefável, imenso, perfeito, pessoal que enlaça num abraço de amor o Pai e o Filho; convidemo-lo, desejamo-lo, digamos-lhe que viva em nossas almas, que não nos abandone jamais, que encha nossos corações, e que por meio dos seus Dons, preciosos instrumentos da sua atividade influam em nós, nos mova e nos conduza através de todas as vicissitudes do desterro ao cume bem-aventurado da pátria.

Do Livro “Os Dons do Espírito Santo”, da autoria de Luís M. Martinez, Arcebispo Primaz do México, tradução do Pe. Haroldo J. Rahm, S.J. Edições Paulinas, 1976.

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