terça-feira, 5 de abril de 2011

RECONCILIAÇÃO E A MISERICÓRDIA DE DEUS


RECONCILIAÇÃO E A MISERICÓRDIA DE DEUS

Padre Reginaldo Manzotti

Chega o tempo da Quaresma, o grande retiro espiritual dos cristãos. Durante o tempo sagrado da Quaresma, a Igreja mãe e mestra nos exorta aos exercícios quaresmais: oração, jejum e esmola.

Tenho insistido muito na oração como caminho de união de vida com Deus. Na Quaresma a oração é aliada ao jejum, que é proposto como forma de sacrifício e como forma de educar-se, privando-se de algo, revertendo este algo em serviço à caridade. Não precisa ser necessariamente de comida. Pode ser escolhido outro tipo de sacrifício, por exemplo, abster-se do cigarro, da internet, de chocolate, etc. E aliada há também a esmola como prática da caridade fraterna. Não se trata apenas de dinheiro, mas de praticar as obras de misericórdia espirituais e corporais, doando-se e se relacionando com o próximo, nos preparando para celebrar dignamente os mistérios da morte e ressurreição de Jesus Cristo.

A Quaresma é por excelência o tempo propício à conversão e reconciliação com Deus. Importante sempre, o Sacramento da Reconciliação tem um apelo muito forte neste tempo, convidando-nos a fazer a experiência da misericórdia divina através do perdão.

Com muita freqüência recebo partilhas de pessoas afastadas deste Sacramento, geralmente pelos seguintes motivos:

- Por não verem motivo em confessar com um sacerdote (a pessoa também pecadora), então se confessam diretamente com Deus.

- Por acharem que não tem pecado.

- Por não saberem confessar.

- Por não compreenderem a misericórdia de Deus, não se sentem merecedores do perdão, e envergonhados acabam se afastando Dele.

Vejamos: Jesus tinha o poder de perdoar os pecados e transmitiu este poder aos Apóstolos, seus legítimos sucessores, quando apareceu no meio deles e disse: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”. Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhe-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,21-23)

Nos relatos dos Atos dos Apóstolos, encontramos a afirmação: “Os que haviam acreditado vinham confessar e declarar suas obras (At. 19,18). O verbo “vir” deixa claro que havia a necessidade de um deslocamento do penitente até os Apóstolos para realizar a confissão. Se a confissão a um homem também pecador, mas investido do poder de perdoar não fosse recomendada, bastaria pedir perdão diretamente a Deus, sem a necessidade de “ir” até os Apóstolos.

São Tiago é categórico ao dizer: “Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados” (Tg 5,16).

Quando estamos fisicamente doentes e precisamos de um médico, não desistimos de consultar se ficamos sabendo que ele teve ou tem a mesma doença que nós, pelo contrário, ele saberá exatamente como nos sentimos, pois já passou pelos mesmos sintomas. Logo quando estamos espiritualmente doentes pelo pecado, o fato de confessarmos a um sacerdote, pessoa pecadora que também se confessa com outros sacerdotes, deveríamos ficar mais à vontade, por saber que ele na condição de pecador, saberá nos acolher e orientar sem nenhuma arrogância.

Achar que não temos pecado já é o primeiro pecado, o orgulho. Segundo São João: Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se reconhecermos os nossos pecados (Deus aí está) fiel e justo para nos perdoar os pecados e para nos purificar de toda iniqüidade (I Jo 1,8-9)

O pecado é um ato de orgulho e desobediência contra Deus. O catecismo da Igreja Católica define o pecado como uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. Foi definido como “uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna” (CIC 1849).

O pecado é ofensa a Deus: “Pequei contra ti, contra ti somente; pratiquei o que é mal aos teus olhos” (SI 51,6). O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os nossos corações. Como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus por vontade de tornar-se “como deuses”, conhecendo e determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O pecado é, portanto, “amor de si mesmo até o desprezo de Deus”. Por essa exaltação orgulhosa de si, o pecado é diametralmente contrário a obediência de Jesus, que realiza a salvação (CIC 1850).

Muitas pessoas realmente não sabem confessar e usam a seguinte formula: “Não matei, não roubei, o resto fiz tudo”.

Não é tão simples assim. Se o pecado é desobediência a Deus, nada melhor do que examinarmos nossa consciência, nos baseando nos mandamentos da lei de Deus, e, aí veremos em quê ofendemos a Deus e prejudicamos nosso próximo. Por exemplo:

1º Mandamento:

“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças”

Duvidei da existência de Deus? Acreditei apenas em um ser supremo? Reneguei minha fé? Pensei ou afirmei que todas as religiões ou seitas são boas? Procurei aprender mais sobre a minha religião? Rezei todos os dias, não apenas orações prontas, mas orações pessoais com Deus? Li livros ou revistas contrários a fé? Conservei estes escritos comigo? Empreitei-os a outros? Assisti a programas de TV ou cinemas contrários a fé e aos bons costumes? Zombei da Igreja ou de seus ministros? Desconfiei da misericórdia de Deus? Queixei-me de Deus nas doenças, na pobreza e nos sofrimentos? Zombei das coisas santas? Revoltei-me contra Deus? Freqüentei reuniões, cultos ou organizações contrárias a minha fé, como: espiritismo, umbanda, jorei, saravá, maçonaria, curandeirismo, seicho-no-ei, cartomantes, magia, feiticeiros, benzedeiras? Estou portando orações supersticiosas? Amuletos? Acreditei em horóscopo? Coloquei as coisas do mundo, tais como: riqueza, poder, fama ou os meus conhecimentos acima de Deus? Evoquei os espíritos dos mortos? Acreditei na reencarnação? Amei a Deus preservando a natureza, obra de suas mãos? Amei a Deus amando o meu próximo?

2º Mandamento:

“Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão”.

Pronunciei o nome de Deus dizendo palavras sem respeito? Roguei praga contra Deus? Ofendi a Deus com palavras? Recusei o auxílio de Deus? Blasfemei contra Deus, contra a Igreja ou contra os sacramentos? Jurei falso ou sem necessidade? Prometi coisas ruins com juramento? Falei das coisas santas sem respeito?

3º Mandamento:

“Guardarás o domingo e dias santos de preceito”.

Participei da missa inteira aos domingos e dias santos? Cheguei tarde por própria culpa? Não tive respeito na Igreja, rindo e conversando inutilmente? Tenho trabalhado aos domingos e dias santos sem necessidade? Aproveitei esses dias para rezar mais e passar mais tempo com a família? Obriguei outros a trabalharem sem justa causa em dia santo?

4º Mandamento:

“Honrarás pai e mãe”.

Fui desrespeitoso com meus pais e superiores? Entristeci-os gravemente? Desejei-lhes mal? Desobedeci-lhes em coisas importantes? Zombei de pessoas pobres, idosas, aleijadas? Tive vergonha de meus pais? Neguei-lhe minha ajuda e assistência, sobretudo se velhos ou doentes? Amo meus pais? Honro meus Pais? Perdôo-lhes? Rezo por eles?

5º Mandamento:

“Não matarás”

Expus-me ao perigo de vida sem necessidade? Tentei suicídio? Fui guloso no comer e no beber? Embriaguei-me? Usei drogas? Deixei de ajudar ao próximo em suas necessidades espirituais ou materiais? Briguei? Ofendi? Alimentei pensamentos ou desejos de vingança? Tive raiva ou ódio do meu próximo? Desejei-lhe algum mal? Desejei-lhe a morte? Conservei alguma inimizade? Denunciei alguém injustamente para tirar proveito? Coloquei em perigo a vida corporal ou espiritual de outros com palavras, omissões, atitudes exageradas? Disse palavras ao meu próximo? Espanquei? Feri? Matei alguém? Mandei ou aconselhei a matar? Aconselhei ou provoquei aborto? Dei mau exemplo? Fiquei triste com o bem do próximo? Amei meu próximo como a mim mesmo?

6º e 9º Mandamentos:

“Não pecarás contra a castidade” e “Não cobiçarás a mulher do próximo”.

Faltei ao pudor? Despi-me diante dos outros? Cometi pecados impuros comigo mesmo? Com outros? Provoquei tentações ou desejos impuros por más literaturas, toques, cinemas, trajes indecentes? Contei piadas imorais? Tive liberdades no namoro? Relações fora do matrimônio? Defendi o aborto? Desejei adultério? Pratiquei adultério?

7º e 10º Mandamentos:

“Não furtarás” e “Não cobiçarás as coisas alheias”.

Tenho furtado alguma coisa dos outros? Aceitei ou comprei as coisas furtadas tendo conhecimento disso? Fiquei com coisas achadas sem procurar o dono? Planejei algum furto? Causei prejuízo de propósito, por inveja ou por negligência? Deixei de pagar minhas dívidas por calote? Procurei reparar os danos causados? Enganei o próximo nas compras e vendas? Retive coisas que deveria ter dado ao próximo? Fui honesto em meus negócios? Cobicei as coisas alheias? Por cobiça, danifiquei as coisas alheias? Reparei os prejuízos que eu causei?

8º Mandamento:

“Não levantarás falso testemunho”.

Menti? Falei mal dos outros? Difamei? Caluniei? Julguei? Condenei? Semeei discórdia e inimizade? Exagerei as faltas dos outros? Dei falso testemunho contra o próximo? Fui fofoqueiro, mexeriqueiro e maledicente? Gosto de ouvir falar mal dos outros? Reparei o mal que fiz com calúnias e mexericos?

Estas são algumas pistas para um bom exame de consciência. Além disso, devemos estar arrependidos dos pecados cometidos. Este arrependimento pode nos levar a pedir perdão dos pecados por amor de Deus, que chamamos confissão. Por atrição, ou por temor do inferno que chamamos confissão por contrição.

Devemos também ter o propósito de não recair no pecado e de evitar circunstâncias que o favoreçam. Confessar-se buscando não omitir nada e cumprir a penitência imposta pelo confessor.

O importante é saber que este sacramento de Reconciliação, também chamado Confissão ou Penitência, é à volta aos braços do Pai.

Nada melhor para entendermos a nossa fragilidade humana e a grandeza da misericórdia de Deus, do que a parábola do filho pródigo ou como é conhecida atualmente, do Pai misericordioso (Lc 15,11-31).

Com esta parábola Jesus revela o jeito de Deus agir, de ser, de seu amor generoso com todos os seus filhos e filhas e da alegria que sente com o nosso arrependimento e em nosso retorno a Ele.

Diante das atitudes do filho mais novo e do filho mais velho, esta parábola também deve nos levar a fazer uma revisão de vida e perceber com qual deles nos identificamos mais.

São dois filhos de personalidades fortes, um aventureiro que não encontrou paz e quis voar, quis buscar a felicidade nas coisas do mundo. O grande erro do filho mais novo foi não perceber que a felicidade estava ali, que abundância e fartura estavam ali junto ao Pai, e sim, sair para experimentar o mundo e aventurar-se nas paixões.

O Pai longínquo significa um distanciar de Deus, o não ouvir a voz de Deus. Muitas vezes nós nos encontramos num país longínquo, gastando desordenadamente os bens, os dons que recebemos de Deus, achando-nos autossuficientes, buscando o ter e o poder.

Este filho voltou pela dor, pelo sofrimento. Só quando ele percebeu e se deu conta que nem a comida dos porcos, a lavagem, o deixava comer, foi que “entrou em si” e percebeu que precisava voltar ao pai, e decidiu “levantar-se”, porque estava caído. Preparou o discurso: “Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados” (Lc 15,18-19). Foi ter com seu pai, e o pai nem o deixou terminar de falar e pediu aos empregados que preparassem uma festa.

E o que mais me encanta e sempre me apaixonou nesta parábola, toda vez que vou pregar falo sobre este ponto e fico imaginando, é que no final da tarde o pai ficava espreitando aquele caminho, aquela curva, para ver se o filho estava voltando. Esse desejo amoroso do Pai, a saudade que sentia do filho e, por mais que o filho tenha se afastado dele, bastou o filho aparecer na curva do caminho o pai tomou a iniciativa, correu abraçou, beijou e não perguntou nada. Colocou no filho anel, sandália, deu uma festa e disse: “É meu filho que voltou”.

O segundo filho não se aventurou, ficou dentro de casa, mas não conseguiu experimentar o amor do pai. Dentro de casa ele se colocou pior que os empregados. Enquanto ele podia comer na mesa do amor e do afeto, no carinho do pai, ele quis viver como um empregado distante. Isso significa que nós podemos ser o filho mais velho. Confessando, comungando, podemos ser o filho mais velho, freqüentando a missa todos os domingos, mas sem conseguir fazer a verdadeira experiência do amor de Deus. Somos implacáveis com os que erram, medíocres na misericórdia, nos achando especiais, achando que, por estarmos na Igreja, só nós temos direitos.

Cuidado! Nem o filho mais novo, o “pródigo” e nem o filho mais velho o “impiedoso” são modelos de vida. O modelo é a misericórdia do pai.

Deus nunca virará as costas para nós, podemos sair e podemos nos aventurar, embora isso nos custe sofrimento e dor, pois ao voltarmos Ele sempre nos acolhe. Santo Agostinho disse: “Deus está disposto a perdoar sempre, mas nem sempre nós teremos o sempre”. Talvez não tenhamos o que o filho pródigo teve: tempo. Nem sempre teremos o sempre.

Deus se entristece quando nós viramos as costas para Ele. Deus tem saudades de nós quando nos afastamos Dele, e toda tarde fica olhando para ver se estamos voltando.

Sempre penso sobre isso, penso em Deus esperando toda a humanidade voltar para Ele.

Por isso se algum dia você se perdeu, volta para casa filho. Deus está com saudade de você e sempre que se perder pode voltar. Ele sempre vai te amar e te esperar.

Padre Reginaldo Manzotti