terça-feira, 30 de julho de 2013

Plenitude Amorosa

                                      Plenitude 

   “Todos nós participamos de sua plenitude, e dele recebemos graça sobre graça” (Jo 1,16).
   A fé, revestida da caridade do Amor, opera tudo em todos, segundo Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Ainda que nossa fé seja como um grão de mostarda neste mundo, fundamenta, desde a viva esperança, todos os Dons, carismas, virtudes e frutos do Espírito Santo, e pela visão profunda que neste mundo nos é concedida, no mundo vindouro, será em cada um dos filhos e filhas de Deus, a visão beatífica através da qual veremos a Deus, face a face. 
   Ora, o amor de Deus – Espírito Santo –, que nos corresponde à presença do Pai – Verdade Eterna – e  do Filho – Sabedoria e Fidelidade Supremas –, que nos trouxe aos corações a luz divina, no final dos tempos, devolverá ao ceio do Pai e do  Filho todos os que ressuscitarem em Cristo Jesus, os quais pela visão beatífica, que substitui nossa fé interior,  estarão face a face diante do Senhor e único Deus, nossa luz e salvação.
Abaixo, continuaremos sob a visão de amplitude do amor de Deus.

                                        Amor Incondicional

   O amor de Deus é gratuito e incondicional! É gratuito, porque Deus é amor (I Jo 4,8) e, por isso, ama incondicionalmente a todos, não porque somos bons; mas, porque sua bondade e misericórdia, para conosco, são infinitas.

   “Louvai ao Senhor todas as nações, louvai-o todos os povos, porque sem limites é a sua misericórdia para conosco, e eterna a fidelidade do Senhor” (Sl.116,1-2).
   O amor gratuito é o amor que nos é dado de graça, eternamente; visto que Deus nos criou por  amor e para o amor. Diz-nos a palavra de Deus: antes da eternidade, a terra nem existia e Deus já nos amava; antes da criação das coisas mais antigas. Na verdade, antes que fossem criados os abismos, já havíamos sido concebidos em seus desígnios de amor eternos, muito antes que as águas brotassem das fontes.

   O amor incondicional é próprio de Deus, que nos ama com amor eterno e constante (Jr 31,3); isto é, que nos ama independentemente de qualquer condição de nossa parte.           

   “Mesmo que as montanhas oscilassem e as colinas se abalassem, jamais meu amor te abandonará e  jamais meu pacto de paz vacilará, diz o Senhor que se compadeceu de ti” (Is 54,10).

   O amor de Deus é o próprio Espírito Santo, o qual, pelo batismo que recebemos na Igreja Una Santa, Católica e Apostólica, habita em nossos corações, juntamente, com a graça, seus respectivos dons e as virtudes da caridade, como vínculos da perfeição divina.

      “Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vinculo da perfeição“ (Cl 3,14).

      Assim o amor de Deus é:

                                           Amor Gratuito

   “Porque és precioso a meus olho, porque eu te aprecio e te amo, permuto reinos por ti, entrego nações em troca de ti” (Is 43,4).
   “Fica tranquilo, pois estou contigo, do oriente trarei tua raça, e do ocidente eu te reunirei. ‘Devolve-os!’ – direi ao setentrião e ao meio-dia -: Não os retenhas! Traze meus filhos das longínquas paragens e minhas filhas dos confins da terra”.

                                        Amor Incondicional

   “Eis o que diz o Senhor: no tempo da graça eu te atenderei, no dia da salvação eu te socorrerei, (Eu te formei e designei para fazer a aliança com os povos), para restaurar o país e distribuir as heranças devastadas, para dizer aos prisioneiros: “saí!”. (Is 49,8).
   “Pois ele diz: eu te ouvi no tempo favorável e te ajudei no dia da salvação (Is 49,8). Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (II Cor 6,2).

                                               Amor bondoso

   “Louvai o Senhor porque ele é bom; porque eterna é a sua misericórdia” (Sl 117,1).
   A bondade de Deus ultrapassa todo o entendimento e o seu amor bondoso dura para sempre e além da eternidade. (Vulgata: Ex 15,18),
Por isso, “a paz de Deus, que excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos, em Cristo Jesus” (Fl 4,7)

                                               Amor infinito

   De longe me aparecia o Senhor: “Amo-te com eterno amor; e por isso a ti estendi o meu favor”.

                                                 Amor filial

   Vou publicar o decreto do Senhor. Disse-me o Senhor: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”. Pede-me; te darei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo”. (Sl 2,7-8).

                                    Amor de fidelidade suprema

   Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor (I Cor 1,9).

                                               Amor Ágape

   Eu repreendo e corrijo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te.

 “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir à porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo. Ao vencedor concederei assentar-se comigo no meu trono, assim como eu venci e me assentei com meu Pai no seu trono” (Ap 3,19-20).

                                          Amor misericordioso

   O Senhor Jesus Cristo nos afirma que são três os fundamentais preceitos da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade, “Eis o que é preciso praticar em primeiro lugar, sem, contudo, deixar o restante” (Mt 23,23b). 
   “Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias, Deus de toda a consolação. Que nos conforta em todas as nossas tribulações, para que, pelas consolações com que nós mesmos somos consolados por Deus, possamos consolar os que estão em qualquer angústia!” (II Cor 1,3-4).

Ora, são Paulo nos diz:

   “O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas Justiça, Paz e Alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17).
“O Reino de Deus não consiste em palavras, mas em atos” (I Cor 4,20).

   Qual a ordem que o Senhor Jesus Cristo deu aos seus apóstolos?: “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados; dai, e dar-se-vos-á. Colocar-vos-ão no regaço medida boa, cheia, recalcada e transbordante, porque, com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também” (Lc 6,36-38).

   A misericórdia é o amor de compaixão, que resgata a miséria dos corações; pois, o Senhor Jesus Cristo nos ensina, dizendo: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).

     João C. Porto




quinta-feira, 25 de julho de 2013

Amor Gratuito

Amor Gratuito

   Porque és precioso aos meus olhos, porque eu te aprecio e te amo, permuto reinos por ti, entrego nações em troca de ti (Is 43,4).
“O amor de Deus, que torna o ser humano precioso e apreciado”. (Comentário da Bíblia do peregrino – Pg. 1784).

                                            Concordâncias

Jo 3,16:- Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.
I Cor 6,20:- Porque fostes comprados por um grande preço. Trazei e glorificai, pois, a Deus no vosso corpo.
I Cor 7,23:- Por alto preço fostes comprados, não vos torneis escravos de homens.
I Pe 1,18:- Porque vós sabeis que não é por bens perecíveis, como a prata e o ouro que tendes sido resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição de vossos pais, mas pelo precioso sangue de Cristo,

   Na página doze (12) do livro “A Prática do Amor a Jesus Cristo”, de santo Afonso de Ligório, encontra-se esta declaração do amor de Deus para conosco, amor gratuito e incondicional: “Olhe, fui eu o primeiro a amar você. Você não estava ainda no mundo. O mundo nem existia, e eu já o amava. Eu amo você desde que sou Deus. Amo você, e desde que amei a mim mesmo, amei também você!”
   O que o Senhor, nosso único Deus, nos diz no livro do profeta Isaías sobre o seu amor gratuito e incondicional para conosco?
“Eis o que diz o Senhor que te criou, ó Jacó, e que te formou ó Israel: Não temas, porque eu te remi, e te chamei pelo teu nome, tu és meu”. (Is 43,1- Vulgata). “Porque todos aqueles que invocam o meu nome, eu os criei, os formei e os fiz para minha glória” (Is 43,7 – Vulgata).
Vejamos como o amor gratuito de Deus é eterno e constente no coração daquele e/ou daquela que o invoca sob o influxo amoroso do Espírito Santo: (Jl 3,5; Rm 10,13). Na verdade Deus nos ama com amor constante e eterno. (Jr 31,3 – Vulgata).
   Encerramos esta pequena página com a grande prova do amor gratuito de Deus para com seus filhos e filhas amados: “Mas eis aqui uma prova brilhante do amor Deus para nós: quando éramos pecadores, Cristo morreu por nós. Portanto, muito mais agora, que estamos justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm 5,8-9).


João C. Porto

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Espírito Santo - Dom da Sabedoria


Dom da Sabedoria

   Nos capítulos anteriores mostrei o admirável paralelismo que existe entre a ordem natural e a sobrenatural. Na primeira bagagem intelectual do nosso espírito não é formada de conhecimentos isolados, mas o espírito realiza ali uma coordenação de conhecimentos, forma com eles um sistema, imprime-lhes unidade; cada ciência coordena os conhecimentos que lhe pertencem e os estuda em suas causas e em seus princípios. E nosso espírito pretende ainda fazer uma coordenação superior, a coordenação da sabedoria, unificando e coordenando nas coisas mais altas e profundas todo o campo vastíssimo dos conhecimentos humanos,
   Com maior razão são necessárias estas coordenações na ordem sobrenatural; não seria suficiente penetrar, uma por uma, as verdades pelo Dom do Entendimento, como o expliquei, para ter a perfeição do conhecimento sobrenatural; é preciso perceber os vínculos que unem entre si as criaturas, e as criaturas com Deus, é indispensável que todos os conhecimentos sobrenaturais que possuímos formem também uma coordenação, um sistema e se unifiquem.
   O Dom da Ciência estabelece certa coordenação; mas a coordenação suprema, a que abarca, por assim dizer, numa unidade perfeita todos os conhecimentos sobrenaturais, é o Dom da Sabedoria.
   Assemelha-se ao conceito de sabedoria que temos na ordem natural; nesta ordem, a sabedoria é a coordenação de todos os nossos conhecimentos pelas causas altíssimas das coisas. E na ordem sobrenatural dos Dons, o Dom da Sabedoria abarca todos os conhecimentos sobrenaturais e os coordena na causa suprema, no princípio altíssimo, em Deus.
   Este Dom que vou mostrar agora é o mais alto de todos os Dons, tem uma riqueza incalculável, porque são Paulo assegura que o homem espiritual julga todas as coisas e, como muito bem explica o apóstolo nesta passagem da primeira Carta aos coríntios, as julga porque recebeu o Espírito Santo, que perscruta até as profundezas de Deus. “O Espírito perscruta todas as coisas, até as profundezas de Deus” (I Cor 2,10). Nós recebemos este Espírito e por isso, diz, não falamos com as palavras da sabedoria humana, mas com a doutrina do Espírito Santo que recebemos em nós.
   O Dom da Sabedoria abarca tudo, mas nesses vastos conhecimentos que a alma pode alcançar pelo Dom da Sabedoria há uma unidade perfeita, porque consiste tudo a partir da excelsa atalaia, olha tudo a partir da causa suprema de Deus.
   Para compreender, na medida do possível, este Dom, devo recordar uma doutrina que já expus muitas vezes nesta série de capítulos acerca dos Dons do Espírito Santo. Expliquei como pelos Dons conhecemos por certa conaturalidade com as coisas que são objeto dos nossos conhecimentos e por uma experiência íntima que temos das coisas divinas. Embora o tenha repetido várias vezes, quero dizê-lo mais uma vez; porque, de um lado, é difícil encontrar esta ideia e, de outro, é fundamental para o conhecimento do Dom da Sabedoria.
   O conhecimento que temos pelos Dons do Espírito Santo é um conhecimento que nasce de uma experiência íntima, de uma conaturalidade e proporção que chegamos a ter com as coisas que conhecemos, em virtude de estarmos unidos com Deus pela virtude da caridade.
   Já disse, em algum dos capítulos anteriores, como até mesmo na ordem natural o amor é uma fonte de conhecimentos: compreendemos muito bem o que amamos.
   O artista que ama uma beleza em qualquer ordem, com que facilidade compreende todas as coisas relacionadas com ela; há conaturalidade, há proporção entre a beleza que a arte realiza e a maneira de ser dele, visto que seu espírito está inclinado justamente a conhecer as coisas belas.
   E o arqueólogo que ama as antiguidades e descobre por toda parte os vestígios do passado, tem o sentido do antigo; o amor que possui para com este gênero de conhecimentos faz com que compreenda melhor todas as coisas relacionadas com este ramo.
   E quando uma pessoa ama outra e a trata com intimidade, com que facilidade compreende os sentimentos íntimos da pessoa amada, como parece adivinhar seus sentimentos; não é a mesma coisa que conhecer uma pessoa por referências e conhece-la pelo trato íntimo, e quanto mais íntimo é o trato, mais perfeitamente se conhece.
   Não é verdade que os que se amam estão, de certa forma, um no outro? O próprio Jesus nos diz com relação ao seu amor: “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue, permanece em mim e eu nele”. E na verdade, quem ama, está no objeto amado, projeta seu coração, sua inteligência e seu ser naquele que ele ama, e traz no íntimo de sua alma, no mais profundo das suas entranhas, o ser amado, são Paulo atreveu-se a dizer aos fiéis: “Trago-os no íntimo do meu coração”.
   Mas não é simplesmente esta virtude que o amor tem de fazer-nos compreender o que amamos e de aplicar todas as nossas faculdades para chegar ao conhecimento mais profundo do ser amado o que basta para explicar esta experiência íntima que temos das coisas divinas pelos Dons do Espírito Santo. Existe algo ainda mais perfeito; por nós, pela caridade, estamos intimamente unidos a Deus. Por mais que nos esforcemos não chegaremos a compreender até que ponto é estreita, até que ponto é íntima, nossa união com Deus.
   Jesus se esforçou, particularmente na noite da Ceia, para explicar-nos esta união que temos com ele: “Eu sou a videira, vós sois os ramos; os ramos não podem produzir fruto se não estão unidos à videira, assim vós, sem mim nada podeis fazer”.
   E como se aquela comparação não fosse suficiente, como não o é, para exprimir a união estreitíssima que existe entre ele e nós, chegou a comparar a união que tem conosco com a união inefável que têm entre si as três pessoas Divinas da Trindade: “Pai – disse na oração sacerdotal, na noite da Paixão –, que todos sejam uma só coisa como tu e eu somos uma só coisa. Tu em mim, e eu neles, para que todos sejam consumados na unidade”.
   Não há união comparável a que temos com Deus pela caridade; consideremos, uma a uma, todas as uniões da terra, são superficiais, são limitadas, não têm a profundidade íntima que tem a união que temos com Deus pela caridade.
   O apóstolo são Paulo se atreve a dizer: “Aquele que adere a Deus, é um só espírito com ele” (I Cor 6,17).
   E visto que estamos tão unidos e que esta união é mais íntima do que qualquer outra sobre a terra, é natural que esta união com Deus nos faça penetrar como por doce experiência, por uma experiência íntima, as coisas divinas.
   Permita-se-me ainda uma comparação muito grosseira, mas que sem dúvida será útil para compreender o que exprime. Quando temos em nossa boca uma fruta, apreciamos seu sabor muito melhor do que se lêssemos as descrições que se encontram nos tratados de Botânica: Que descrição poderia ser comparável ao gosto que experimentamos quando provamos uma fruta? Assim, quando estamos unidos a Deus e temos dele uma experiência íntima, isso nos faz conhecer muito melhor as coisas divinas do que todas as descrições que os eruditos possam fazer e do que todos os livros dos homens mais sábios.
   O conhecimento dos Dons é um conhecimento que se adquire por conaturalidade e por experiência íntima, em virtude da união estreitíssima que temos com Deus.
   Mas se é certo que isso se verifica em todos os Dons, de maneira especial se verifica no Dom da Sabedoria; é próprio deste Dom fazer-nos conhecer a Deus e as coisas divinas por uma íntima e doce experiência de amor. Por isso diz são Dionísio falando de Hieroteu: “Hieroteu é perfeito nas coisas divinas, porque não só as aprende, mas as experimenta”.
   Experimentar as coisas divinas, saboreá-las no íntimo do nosso coração é por este gosto e experiência julgar de todas as coisas, tal é o que realiza em nossas almas o Dom da Sabedoria.
   Mas quero explicar por que esta doutrina da conaturalidade e da experiência se aplica, de maneira singular, ao Dom da Sabedoria.
   Pela caridade – essa virtude rainha, essa virtude suprema, que é a forma de todas as virtudes, o Dom mais precioso que recebemos de Deus depois da graça –, pela caridade nos unimos a Deus e esta união tem muitos aspectos: unimo-nos a Deus como ao motor e ao diretor das nossas almas, como ao único fim das nossas ações, como ao objeto que experimentamos e que saboreamos; mas daqui resultam diversas maneiras de perceber a Deus.
   No capítulo anterior expliquei como o Dom do Entendimento orienta para Deus como o fim último do homem; penetra nas verdades sobrenaturais pela adequada avaliação do fim. Cada Dom tem sua maneira própria de tocar a Deus.
   Mas, sabemos como o Dom da Sabedoria toca a Deus? Toca-o como a Bondade infinita, saboreada e experimentada. Há uma analogia notável entre o objeto da caridade e o objeto do Dom da Sabedoria; o objeto da caridade é Deus em si mesmo, em sua bondade; o objeto do Dom da Sabedoria é essa mesma bondade, mas enquanto experimentada, saboreada.
   Por isso, este Dom da Sabedoria tem uma relação estreitíssima com a caridade, é um Dom que brota da caridade e que conduz à caridade. Brota da caridade, porque o que possui o Dom da Sabedoria conhece porque ama; e se for permitido empregar a frase de um místico – já sabemos que a linguagem dos místicos é audaz, mas é brilhante e expressiva –, direi que pelo Dom da Sabedoria, “vemos pelos olhos do amado”, pelos olhos de Deus.
   A expressão é audaz, mas exprime a realidade. Se pudéssemos entrar dentro de Deus e olhar pelos seu olhos, que veríamos? Veríamos as coisas à maneira divina; assim são vistas as coisas pelo Dom da Sabedoria, são vistas em Deus, são vistas a partir dessa atalaia excelsa.
   Mas podemos penetrar em Deus, ver por seus olhos e olhar por sua mente, porque a caridade nos uniu estreitamente com ele, porque aderimos a ele e formamos com ele um só espírito. (I Cor 6,17).

   O Dom da Sabedoria que brota da caridade também conduz a ela; a luz deste Dom não é fria e inerte, como costuma ser a luz da sabedoria humana, mas é ardente e vital, como o raio de sol, que em sua essência sutil funde a luz, o calor e a energia. A luz do Dom da Sabedoria inflama de amor o coração e, desta forma, volta ao princípio do qual emanou e consuma o círculo divino.
   Poderia parecer estranho que o Dom da Sabedoria, que como todos os Dons intelectuais tem que fundasse na fé, supera seu próprio fundamento, porque os conhecimentos que podemos ter pelo Dom da Sabedoria, embora estejam dentro do campo da fé, excedem de maneira incrível o conhecimento da fé. Como é possível que a Sabedoria supere o seu próprio fundamento?
   Se penetrássemos na natureza da inteligência e da vontade, poderíamos encontrar o segredo dessa aparente anomalia. Ensina santo Tomás de Aquino que é melhor conhecer do que amar as coisas inferiores a nós, mas é melhor amar as coisas que são superiores.
   Com relação a Deus, é melhor amá-lo do que conhecê-lo; porque o conhecimento faz com que as coisas venha a nós e se adaptem à nossa maneira de ser; mas o amor, que é a caridade, nos faz sair de nós mesmos e nos lança no objeto amado.
   Quem ama se assemelha à coisa amada; quem conhece, adapta a coisa conhecida à sua própria maneira de ser. De sorte que quando se trata de coisas inferiores as elevamos quando as conhecemos, porque lhes damos o nosso próprio modo de ser; mas quando amamos as coisas inferiores, nos diminuímos. Ao contrário, quando conhecemos as coisas superiores, diminuímo-las, de certa forma, para que se adaptem à nossa inteligência; mas quando as amamos, elevamo-nos até elas.
   Por isso, nesta vida, é melhor amar a Deus do que conhecê-lo, e por isso é mais perfeito o amor a Deus pela caridade do que o conhecimento pela fé. Neste mundo, o conhecimento sempre tem deficiências; o amor, ao contrário, que é um presente do Espírito Santo, uma imagem sua, tem maior perfeição mesmo neste mundo.
   A caridade na terra não difere da caridade no céu, é essencialmente a mesma, ao passo que a fé se detém nos umbrais da eternidade para que a visão venha substituí-la. Por isso não é raro que a caridade supere o seu fundamento e que por meio dela tenhamos um conhecimento mais amplo, mais profundo e, se se pode dizer, mais divino, do que a fé.
   Na verdade, o campo do Dom da Sabedoria é vasto, vastíssimo; inclui todas as coisas que a fé abarca as coisas divinas e as coisas humanas que caem sob a fé, que foram reveladas, a sabedoria inclui tudo. Já citei a palavra do apóstolo são Paulo: “O Espírito perscruta tudo”. O homem espiritual julga todas as coisas, nada escapa de sua perspicácia e de sua sabedoria sobrenatural.
   Mas seu objeto próprio, seu objeto primário, é Deus; os olhos da sabedoria mergulham na divindade pela contemplação. E porque contemplam o divino, permita-se-me que repita a mesma expressão, veem pelos olhos do Amado, e daquela excelsa atalaia descobrem todas as coisas que devemos conhecer na ordem sobrenatural.
   Este Dom da Sabedoria é o mais alto de todos os Dons e dirigem a todos; é um Dom altíssimo. O Dom do Entendimento é dirigido pela sabedoria, e por isso forma o primeiro par na enumeração de Isaías de que falei num dos primeiros capítulos. Diz o profeta que da raiz de Jessé sairá um ramo e desse ramo nascerá uma flor, e sobre essa flor descansará o Espírito de Deus, o Espirito da Sabedoria e do Entendimento, o Espírito do Conselho e da Fortaleza, o Espírito da Ciência e da Piedade, e o encherá o Espírito do Temor de Deus,
   No primeiro dos pares enunciado por Isaías estão a Sabedoria e o Entendimento, porque a Sabedoria é um Dom diretor até mesmo do Dom do Entendimento, é o Dom supremo que exerce seu influxo sobre todos os Dons, repito; é como que o cume onde pode chegar o conhecimento humano.
   Este Dom da Sabedoria tem uma importância capital na contemplação sobrenatural. O Dom do Entendimento certamente influi na contemplação, porque purifica a alma para que possa contemplar as coisas divinas e penetrar na verdade da fé, e por essas duas operações preparo o terreno, por assim dizer, para o Dom da Sabedoria.
   O Dom da Sabedoria é o Dom supremo da contemplação; por ele nossa alma se eleva ao ponto mais alto que se possa subir; mais o que o Dom da Sabedoria, somente o céu, a visão beatífica.
   Ensina-nos os teólogos que pelo Dom da Sabedoria se chega a contemplação mais perfeita de Deus e que este Dom é a característica das altas etapas da vida espiritual; é, poderíamos dizer, o Dom dos santos; não porque somente eles o tenham; graças a Deus, repito, desde o dia do nosso batismo possuímos todos os Dons; mas embora possuamos todos os Dons, nem sempre eles alcançam seu perfeito desenvolvimento, por nossa culpa, ou ao menos, por nosso descuido.
   Todos os homens temos as mesmas faculdades, e acaso não vemos muitos ignorantes que jamais cultivaram suas faculdades intelectuais? Desenvolveram seus músculos, têm uma força material poderosa; mas descuidaram o desenvolvimento da inteligência. Assim existem muitas almas que descuidam o desenvolvimento destes Dons magníficos que receberam da mão munificente e santificadora de Deus.
   Os santos, os que chegaram ao cume da perfeição, possuem de maneira perfeita todos os Dons, mas de modo particular o Dom da Sabedoria.
   E esse Dom produz em nós a semelhança, por assim dizer, mais perfeita com Jesus Cristo. Não nos lembramos daquela frase misteriosa de são Paulo: “Nós todos que, com o rosto descoberto, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transformados nessa mesma imagem, cada vez mais fúlgida” (II Cor 3,18).
   Essa sucessão de luz, essa série de claridade, pelas quais a alma vai se transformando em Jesus Cristo, é o processo do Dom da Sabedoria. Quando este alcança na alma seu perfeito desenvolvimento, então a alma tem a imagem de Jesus, essa imagem é a sabedoria criada, reflexo da Sabedoria infinita, como a caridade é o reflexo do Espírito Santo.
   Por isso a sétima bem-aventurança é fruto do Dom da Sabedoria: “Bem-aventurados os pacíficos porque eles são filhos de Deus”. Esta paz é produzida pelo Dom da Sabedoria; este Dom produz aquela paz de que fala o apóstolo Paulo: “A paz de Deus, que supera todo o conceito” (Fl 4,7). Uma paz que supera tudo o que nós podemos ´perceber pelos nossos sentidos, uma paz que está acima de toda a paz humana.
   Este olhar divino com que se contempla o mundo vem produzir em nossa alma uma paz profunda, uma paz imperturbável.
   As almas que possuem de maneira perfeita o Dom da Sabedoria são os pacíficos, e eles são os filhos de Deus, têm a adoção perfeita, a filiação consumada, porque a sabedoria gravou em suas almas a imagem mais perfeita que se pode ter sobre a terra do Filho de Deus.
   É claro que neste Dom, como todos os demais, existem graus. O primeiro grau do Dom da Sabedoria – que se possui a partir do momento em que se tem o Dom – faz-nos aderir a Deus, e por aderirmos a ele temos um juízo reto, uma retidão sobrenatural para julgar das coisas divinas e, ao mesmo tempo, por esse primeiro grau dispomos de normas divinas para regular nossas ações e operações.
   No segundo grau chegamos a ter o gosto, um sabor especial pelas coisas divinas. Não nos lembramos daquelas palavras de são Paulo que a Santa Igreja nos repete durante o tempo Pascal: “Uma vez, pois, que ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas lá de cima, onde Cristo está assentado à direita de Deus” (Cl 3,1-2).
   Saboreai o que é de cima! Saborear as coisas divinas é próprio do Dom da Sabedoria. Poderíamos empregar esta expressão por analogia com os sabores materiais. O Dom da Sabedoria nos dá um sabor, um gosto pelas coisas divinas.
   E pela suavidade e pelo gosto que experimentamos nas coisas divinas chegamos a desprezar as satisfações humanas. Vemos isto nos santos. Santa Teresa do Menino Jesus não pediu a Deus que lhe pusesse uma gota de amargura em todas as satisfações da terra? Parece incrível que se faça semelhante pedido; geralmente desejamos exatamente o contrário; que Deus ponha em tudo uma gota de mel, que em todas as coisas da nossa vida, até em nossos sofrimentos, haja uma gota de doçura. Santa Teresa de Lisieux pedia a Deus que não lhe permitisse saborear nenhuma das satisfações humanas.
   É que depois de saborear as coisas divinas desprezam-se as coisas humanas; como esses paladares delicados que se acostumaram a manjares finos já não podem apreciar os alimentos comuns; assim não se pode apreciar as coisas da terra depois de experimentar o sabor íntimo das coisas divinas.
   Mas há também outro efeito muito próprio do Dom da Sabedoria: faz-nos conhecer os tesouros da dor e faz-nos sentir um desejo vivíssimo dela. Já disse que para conhecer e amar a dor temos o Dom da Ciência, mas é ainda mais profundo o conhecimento que se tem da dor pelo Dom da Sabedoria e mais vivo o desejo de sofrer.
   Todos os santos que quiseram sofrer e que estavam impacientes por sofrer o martírio fizeram-no sob o influxo do Dom da Sabedoria: Santo Inácio de Antioquia que disse: “Sou trigo de Cristo e é necessário que eu seja triturado pelos dentes das feras para converter-me em pão imaculado”; santa Teresa que dizia: “Ou sofrer ou morrer”; santa Maria Madalena de Pazzis que afirmava: “Não morrer, mas padecer”. Todos esses desejos parecem estranhos, parecem anormais, parecem loucuras, quando não se compreendem sua razão profunda.
   À luz do Dom da Sabedoria, é tão bela a Cruz! É tão doce a dor! Tem algo de divino, tem algo de Jesus, é a escada reta e luminosa por onde se sobe aos céus. Onde está a dor, está a cruz impregnada de amor, e das entranhas da dor brota a perfeita alegria que são Francisco de Assis nos ensinou maravilhosamente.
   Para entender essas coisas é necessário o Dom da Sabedoria. O homem animal não percebe as coisas divinas, diz são Paulo; o homem espiritual julga todas as coisas. Quando o Dom da Sabedoria se desenvolveu em nós, por meio dele o Espírito Santo nos faz penetrar nas riquezas da cruz, nas maravilhas da dor, e então a desejamos com todas as forças da nossa alma, com todos os anelos do nosso coração.
   Nos altos graus do Dom da Sabedoria, as almas já vivem uma vida celestial, parece que começam a saborear as delícias do Amado, já não querem olhar para nenhuma das coisas da terra, já veem todas as coisas em relação à Pátria. É o que dizia são Bernardo: “Quando escreves, teu relato não tem para mim nenhum sabor se ali não estiver o nome de Jesus. Uma conferência ou uma conversa não me agradam, se meus ouvidos não escutam o nome de Jesus. Jesus é mel para os lábios, melodia para os ouvidos, júbilo para o coração” (Homil., 15 in Cant.). Via tudo em relação a Deus, via tudo em relação ao céu.
   Essas almas começam a contemplar algo de Deus desde esta terra, olham todas as coisas com os olhos do amado, e contemplam o universo desde a excelsa atalaia da Divindade.
   Concluí a exposição que ofereci dos Dons do Espírito Santo. Não sei se acertei em dar alguma ideia, ainda que vaga, destas maravilhas de Deus; mas estou certo de que a exposição que fiz, se não encheu de luz o nosso espírito, pelo menos encheu de inquietação a nossa alma. Sentimos a inquietação daquele que pressente outro mundo melhor, a inquietação daquele que não consegue compreender as coisas, mas as vislumbram.
   Estou certo de que a exposição que fiz nestas páginas servirá para que compreendamos que há um mundo desconhecido, que há um mundo divino, cheio de riquezas e impregnado de doçura, que há um mundo mil vezes superior, mil vezes mais belo que este mundo prosaico em que vivemos, um mundo para o  qual fomos criados.
   Porque não fomos criados para este mundo miserável  nem para acumular as riquezas que o ladrão nos pode arrebatar e que a ferrugem consome, nem para embriagar-nos com as coisas da terra, nem para desfrutar dos prazeres terrenos, às vezes tão vis, sempre imperfeitos, incapazes de saciar o nosso coração imenso. Não, nascemos para um mundo superior. para um mundo oculto, para um mundo que trazemos escondido em nossa alma.
   Sentir-me-ei satisfeito se tiver levado alguém a pressentir esse mundo divino, se tiver deixado uma inquietação nos corações, se ao menos, depois de minha exposição pudermos dizer: existe algo maior do que aquilo que os nossos sentidos, existe um mundo superior, um mundo dos santos para o qual todos somos chamados. E trazemos dentro do coração realidades sobrenaturais com as quais podemos escalar os cumes e contemplar belíssimos panoramas, e assim aproximar-nos da luz de Deus.
   Que o Espírito Santo, cuja moção nos ensina todas as coisas, segundo a frase da Escritura, complete a exiguidade da nossa obra, que ele comunique às nossas almas a sua luz, para que olhemos para o alto e os nossos corações se encham com o fogo santo do amor, e suspiremos por aquilo que é grande, divino e eterno!

Do livro “Dons do Espírito Santo” da autoria de D. Luís M. Martinez -  Arcebispo Primaz do México – Apresentação: Pe. Haroldo J. Rahm. SJ. Edições Paulina 1976. 
Estas nove (9) páginas riquíssimas do Amor de Deus , que colocamos no blog “Poço de Jacó”:

- Noções Gerais – Dom do Temor de Deus – Dom de Fortaleza – Dom de Piedade – Dons Intelectuais – Dom do Conselho – Dom da Ciência – Dom do Entendimento – e Dom da Sabedoria. 

sábado, 13 de julho de 2013

Espírito Santo - Dom do Entendimento


                                             Dom do Entendimento


    Há palavras felizes que exprimem com admirável acerto o que significam que são se não a definição da coisa significada, pelo menos a expressão exata dela. Tal é a palavra entender, em latim intellegere, intus legere –, que significa ler interiormente, penetrar. E realmente isso é entender, penetrar no interior das coisas.
   Na ordem natural, entendemos quando no interior do sensível captamos, por assim dizer, o abstrato, o imaterial. E na ordem sobrenatural, também entender é penetrar nas verdades sobrenaturais.
   Assim como a luz natural da razão nos faz penetrar as verdades sensíveis, para ver, para captar o imaterial, da mesma forma a luz do Dom do Entendimento, do qual vou tratar neste capítulo, serve para penetrar as verdades sobrenaturais e ler no íntimo, no profundo delas.
   Realmente temos necessidade desta penetração nas verdades; porque quanto mais se penetra numa verdade, maior proveito recebe o espírito. Santo Inácio de Loyola, em seus Exercícios, adverte que não é do muito saber que a alma tira proveito, mas do fato de penetrar e saborear as coisas espirituais.
   Para encontrar nosso proveito espiritual não é necessário acumular leituras, conhecimentos e meditações; será muito melhor penetrar algumas verdades, entende-las e saboreá-las.
   E vemos isso com muitíssima frequência. Quando se praticam exercícios espirituais, ou se faz um dia de retiro, ou simplesmente se medita com atenção numa verdade sobrenatural, temos  a impressão que nossa alma se transforma e nos sentimos outros; é uma luz nova que produz em nossa alma uma nova atitude com relação às coisas espirituais.
   Para alcançar a perfeição é preciso penetrar nas verdades sobrenaturais; mas para alcançar esta penetração não basta a fé, porque a fé nos faz sentir as verdades pela autoridade de Deus que as revelou, mas não nos faz penetrar nelas. Esta penetração vem do Dom do Entendimento.
   Os outros dons intelectuais não são para penetrar: o do Conselho, como já expliquei, é para fazer a aplicação dos grandes princípios cristãos às nossas ações concretas; a Ciência é para ir a Deus por meio das criaturas, para conhecer a Deus através das criaturas, e a Sabedoria como explicarei depois, é para olhar todas as coisas desde a excelsa atalaia de Deus.
   O Dom da penetração, o Dom da intuição, é o Dom do Entendimento; por ele conseguimos um conhecimento mais profundo das verdades sobrenaturais, dos mistérios cristãos, dos dogmas da nossa fé. E quanto maior for o desenvolvimento alcançado em nossa alma por este Dom, tanto mais profundo será o olhar, tanto mais penetrante será a intuição.

   Porque e como o Dom do Entendimento penetra nas verdades sobrenaturais? Tentarei explica-lo.
   O porquê, não é mais do que uma explicação dos princípios gerais acerca dos Dons, matéria já anteriormente explicada. Os Dons intelectuais nos dão um conhecimento profundo das coisas divinas, porque estamos unidos a Deus, por um doce, por uma íntima experiência realizada pelo amor. Isso acontece em todos os Dons; portanto, acontece também com o Dom do Entendimento.
   Para ter este Dom, como todos os demais do Espírito Samto, é preciso estar em graça, ter a caridade que é a raíz profunda de onde brotam como renovos divinos os sete Dons do Espírito Santo. Pela caridade nos unimos com Deus, aderimos a ele, e desta união íntima e desta adesão firme, resulta o conhecimento experiencial.
   Da mesma forma como nós – já expliquei nos capítulos anteriores –, temos uma penetração singular para compreender as almas que amamos, assim como para a nossa vida íntima não temos necessidade de raciocinar, mas basta penetrar no íntimo do nosso ser para conhecê-la, assim quando a alma está unida a Deus, o ver e o conhece por uma doce experiência.
   Cada um dos Dons une a Deus, nos une ao Espírito Santo como o Diretor, como o motor das nossas almas; mas ao mesmo tempo nos une a Deus como o objeto do nosso amor. O Espírito Santo não só é motor, é também Dom, o Dom de Deus, o Dom por excelência que recebemos.

   Santo Tomás de Aquino diz coisas admiráveis acerca deste ponto. O Dom, antes que o doador o outorgue, é daquele que o dá; mas depois que o deu, é também daquele que o recebe. O Espírito Santo é de Deus é de Deus, é Deus, mas quando nos é dado, é nosso. E é nosso, diz o santo Doutor, como pode ser nossa uma coisa da qual podemos dispor com liberdade; assim nós podemos, com liberdade, dispor deste Espírito que se tornou nosso, isto é, podemos gozar dele quando quisermos, porque o possuímos, porque nos pertence, porque está à nossa disposição.
   E porque aderimos à Divindade temos, se me for permitida a expressão, o sentindo do divino, os olhos iluminados do coração, penetrantes e profundos, para ler no íntimo das verdades sobrenaturais.

   De um modo especial, o Dom do Entendimento supõe o conhecimento, a perfeita avaliação do fim.
   Santo Inácio de Loyola em seus exercícios estabelece como princípio e fundamento de todas as maravilhosas considerações que faz para levar a alma a Deus, o fim do homem. É a primeira verdade que analisa de maneira sólida e profunda. E este método tornou-se tradicional; sempre que se praticam Exercícios ou se pregam Missões, começa-se de uma forma ou de outra por apresentar esta doutrina transcendental do nosso fim último.
   E com razão, porque o fim é, nas coisas práticas, o que é o princípio nas ciências especulativas, dos princípios emanam logicamente as conclusões; assim, na ordem prática, tudo está relacionado com o fim; dependendo do fim que nos propomos, assim serão nossos atos e nossa disposição.
   Para compreender bem um discurso, é indispensável que o orador nos indique o tema que vai desenvolver, o fim que se propõe, ser-nos-á difícil segui-lo em suas elocubrações.
   Quando conhecemos um fim que um pintor se propôs ao pintar um quadro complicado e magistral, o compreendemos melhor, sabemos o sentido de cada uma das figuras que integram o quadro; se não conhecêssemos o fim, como poderíamos conhecer profundamente o sentido que o pintor quis dar ao quadro?
   Da mesma forma, quando temos um perfeito conhecimento do fim, não especulativo mas experimental, porque nossa vontade adere intimamente a ele, porque já possuímos este último fim em princípio, porque  possuímos a Deus em nosso coração, então podemos compreender e penetrar as coisas divinas.
   Esta é a obra realizada pelo Dom do Entendimento; por ele, unidos como estamos ao nosso fim último, o Espírito Santo nos move para que penetremos nas profundezas de todas as verdades sobrenaturais.

   Como se faz esta admirável penetração? Claro que pelo Dom do Entendimento não contemplamos em todo o seu esplendor e em toda a sua plenitude o que se encontra em cada uma das verdades sobrenaturais; somente no céu poderemos ter esta visão sem véus e sem sombras das coisas divinas; somente no céu, quando com a luz da glória contemplarmos, face a face, a Deus e sentirmos em nosso coração o seu amor beatífico, a visão das coisas divinas será para nós positiva, radiosa, plena.
   Na terra, mesmo sob o regime dos Dons, vivemos sempre na semiobscuridade do desterro; porventura já não ficou explicado nos capítulos anteriores que os Dons do Espírito Santo se fundamentam na fé? E a fé é sempre obscura; e, segundo a expressão do apóstolo são Pedro, a lâmpada que brilha no desterro, enquanto chega o dia esplêndido da glória e brilha em nossas almas o luzeiro da manhã.
   Mas apesar de ser negativa a visão que o Dom do Entendimento nos dá, faz-nos penetrar profundamente nas verdades sobrenaturais com um acerto eficacíssimo. O Dom do Entendimento nos faz distinguir o verdadeiro do falso na ordem sobrenatural; mais ainda, faz-nos compreender que as coisas divinas estão acima das coisas humanas.
   Para que compreendamos isto, vou fazer uma observação. Para falar das coisas sobrenaturais, valemo-nos sempre dos símbolos e das figuras sensíveis; é a lei da nossa psicologia: “Os atributos invisíveis de Deus tornam-se reconhecíveis com a consideração da mente humana acerca das coisas criadas” (Rm 1,20). Por isso, tratando-se da ordem sobrenatural, encontramos a cada passo um símbolo, porque a cada passo encontramos um mistério.
   Não podemos falar das coisas divinas a não ser compreendendo-as com as coisas deste mundo e servindo-nos de imagens, de símbolos, de figuras.
   Assim dizemos que o batismo é um novo nascimento, que o homem torna a nascer, como o explicou Jesus Cristo a Nicodemos. Ele não conseguia compreender: e Jesus Cristo lhe dizia: “És mestre em Israel e não entendes estas coisas? Se não me entendes falando das coisas da terra, como me entenderias se te falasse das coisas celestiais?”
   “Eu sou a vide e vós sois ramos”, dizia também Jesus para explicar-nos a união íntima que existe entre ele e nós. “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”, exortava para pregar a abnegação cristã. E assim, em todas as páginas do Evangelho encontramos figuras e símbolos.
   Mas há perigo de querer tomar ao pé da letra estas figuras e esses símbolos com o que diminuímos as coisas divinas e as reduzimos a coisas ínfimas. Mas o Dom do Entendimento faz-nos penetrar nessas figuras e nos símbolos, de tal maneira que sentimos que a coisa significada ou simbolizada está muito acima do símbolo e da figura; o símbolo não é mais do que uma rocha em que nos apoiamos e colocamos nossos pés para lançar-nos no infinito.
   Assim o Dom do Entendimento penetra no fundo, no íntimo das verdades sobrenaturais e nos dá um conhecimento vivo, um conhecimento íntimo das coisas divinas.
   Este Dom é um dos Dons da Contemplação; por meio dele e por seu influxo, o Espírito Santo eleva as almas à contemplação, que é um olhar singular e profundo de Deus e das coisas divinas. Poder-se-ia dizer que a contemplação é a luz belíssima dos que amam. E esta contemplação que possuem as almas que chegaram a certa altura nos caminhos da vida espiritual tem como um dos seus princípios essenciais o Dom do Entendimento.
   Mas não é somente intelectual; tem também um influxo preponderante em nossa vida prática. Porque, como diz a Escritura, a fé opera pela caridade; e o Dom do Entendimento, ao fazer-nos penetrar nas profundidades das verdades da fé, tem que fazer-nos compreender também o que se refere às nossas ações; às obras de amor e de caridade que temos que praticar para alcançar a vida eterna.
   De maneira que também o Dom do Entendimento tem seu influxo em nossa vida prática e, como dizia no começo, é indispensável para que possamos alcançar a felicidade eterna das nossas almas.
   Há uma regra exata e compreensiva para determinar o campo que é próprio deste Dom. O Dom do Entendimento serve-nos para descobrir o oculto, todo o oculto de que temos necessidade para nossa salvação, onde quer que haja algo misterioso. O do Entendimento no-lo faz compreender e penetrar, desde que seja, repito, uma coisa necessária para a nossa salvação.
   Não nos lembramos de que, no santo Evangelho, Jesus respondia sempre as perguntas, às vezes impertinente, que lhes faziam os apóstolos? Quantas vezes lhe fizeram perguntas para entender coisas que agora nos parecem muito simples e nosso Senhor, com paciência heroica, explicava aos apóstolos as coisas mais óbvias, sempre que se relacionavam com a salvação das almas e os mistérios do Reino dos céus.
   Mas quando lhes perguntavam coisas curiosas, não lhes respondia. No dia da Ascenção lhe disseram: “Senhor restaurarás por esse tempo o reino de Israel?” E Jesus lhes disse: “Não vos compete conhecer os tempos e os momentos que o Pai reservou em seu poder”.
   E quando o apóstolo são Pedro perguntou, às margens do lago de Tiberíades, a respeito de são João: “E deste, que será Senhor?” Jesus lhe respondeu: “Que tens com isso? Segue-me”. Jesus nunca respondia às perguntas curiosas; mas aquelas que se relacionavam com a salvação das nossas almas, sempre, por impertinentes que fossem, Jesus as explicava com minuciosa solicitude.  
   Assim, o Dom do Entendimento nos descobre o oculto, mas o oculto que é útil para nossa salvação.
Pode-se até exprimir os principais casos em que o Dom do Entendimento descobre o oculto.

   Pode-se ocultar a substância sob os acidentes, como a sagrada Eucaristia; os acidentes eucarísticos são acidentes de pão e acidentes de vinho, mas sob estes acidentes oculta-se o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo.    O Dom do Entendimento faz-nos penetrar através desses acidentes na substância de Jesus Cristo que ali se oculta. Houve santos dotados do sentido da Eucaristia, que adivinhavam a presença de Jesus Cristo onde quer que estivesse. Era sem dúvida um efeito, um fruto do Dom do Entendimento: através dos acidentes descobriam a substância que se ocultava.
   Também os conceitos, as verdades, se ocultam sob as palavras. Nas Escrituras, quantas expressões difíceis de serem entendidas! E como sob essas expressões estão contidos verdadeiros mistérios, o Dom do Entendimento nos faz penetrar as palavras da Escritura para descobrir o que elas têm de oculto, para descobrir seu sentido misterioso e arcano.
   Nas figuras e nos símbolos ocultam-se as realidades; não nos diz, por exemplo, o apóstolo são Paulo que tudo o que acontecia aos israelitas no antigo Testamento era figura e símbolo da Nova Aliança? Não diz que a pedra de onde brotava a água era Cristo e que o maná era símbolo da Eucaristia? E não nos ensina o simbolismo de muitas das cerimônias da Antiga Aliança? Sob as figuras está contida a coisa figurada ou significada, e o Dom do Entendimento descobre sob os símbolos as coisas que simbolizam.
   Sob o visível se oculta o invisível e o divino. Temos um exemplo disso no mundo material: está cheio de Deus. Acaso não diz a Escritura que os céus contam a glória de Deus e que a terra está cheia de sua majestade? No capítulo anterior, disse que em cada criatura há uma centelha de Deus e recordava aquela estrofe sublime de são João da Cruz:

“Mil graças derramondo,
passou por estes bosques com presteza,
e, tendo-os olhado,
com sua simples figura
deixou-os vestido de sua beleza”.

   O mundo está cheio do divino, o deve ter visto Adão no Paraíso antes da culpa, como o viram os santos; já disse com que olhar profundo e celestial Francisco de Assis via todas as coisas criadas. Mas para descobrir o divino que o visível oculta, há necessidade do Dom do Entendimento.
   Sob as causas ocultam-se os efeitos. Os Sacramentos são causas da graça; exteriormente. os Sacramentos não são mais do que coisas visíveis: um sacerdote que derrama água na cabeça de uma criança, dizendo-lhe palavras misteriosas; o Ministro de Deus que estende a sua mão consagrada sobre o pecador arrependido e lhe diz: eu te absolvo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Mas sob estas coisas, sob estas causas aparentemente sem transcendência, realizam-se verdadeiros prodígios. Se soubéssemos o que se realiza quando um pecador se justifica! Santo Tomás de Aquino não vacila em dizer que a justificação de um pecador é uma obra mais importante do que a criação do mundo.
   Nos acontecimentos humanos escondem-se os desígnios providenciais de Deus. No último dia dos tempos e lá no céu eternamente, contemplaremos o sentido profundo da História humana. Agora vemos as coisas de maneira fragmentária e imperfeita, o porquê da guerra, o porquê das catástrofes, o porquê das vicissitudes tremendas que há na História. Agora com dificuldade podemos dizer algo acerca desses acontecimentos porque sabemos que são regidos pela divina, pela sapientíssima providência de Deus.
   Mas no céu compreenderemos o sentido profundo da história; então saberemos com perfeita exatidão o porquê de todos os acontecimentos humanos. E então louvaremos a Deus tanto pela paz como pela guerra, tanto pela dor como pela alegria; porque tudo é feito com número, peso e medida, tudo é disposto com admirável sabedoria.
   Pelo Dom do Entendimento, desde a terra começamos a penetrar nessas coisas ocultas, pois o Dom do Entendimento penetra em todas as verdades sobrenaturais e descobre o que está oculto qualquer que seja o invólucro sob o qual se esconde.

   Todo cristão tem esse Dom, como todos os demais Dons do Espírito Santo; não são graças extraordinárias que Deus só concede às almas escolhidas, não; todo aquele que está na graça de Deus possui os Dons do Espirito Santo, e se os possui sempre é porque a cada passo pode precisar deles.
   E penso que o Dom do Entendimento é um Dom a respeito do qual se vê claramente a necessidade que temos dele; como poderíamos penetrar profundamente nas verdades sobrenaturais se não possuíssemos o Dom do Entendimento? Tenhamos como certo que, muitas vezes em nossa vida, sentimos o influxo do Dom do Entendimento e penetramos, mesmo que seja rapidamente, nas verdades sobrenaturais.
   Não é verdade que em alguns momentos da nossa vida vimos com maior clareza alguma ou algumas das verdades que o Evangelho nos ensina? Numa grande solenidade litúrgica, ou no meio de um retiro espiritual, ou nos momentos em que recebemos a Eucaristia, não passou por nossa mente um relâmpago da luz celestial? Não vimos num momento certas coisas que antes não havíamos compreendido?
   É o Dom do Entendimento que todo cristão tem e que faz todo cristão penetrar nas verdades sobrenaturais, sempre que dele tem necessidade para alcançar a salvação. E, à medida que vai subindo de grau, este Dom vai produzindo coisas mais admiráveis em nossa alma, faz-nos penetrar nos mistérios, faz-nos compreender harmonias belíssimas nas coisas espirituais.
   Assim como contemplamos, às vezes, do cume de uma montanha, um espetáculo maravilhoso, cumes que se sucedem uns aos outros, vales risonhos cobertos de flores, horizontes misteriosos que se perdem na imensidão; assim, o Dom do Entendimento, quando chegou ao seu grau máximo de desenvolvimento faz-nos contemplar esses panoramas magníficos, essas harmonias profundas, esses horizontes infinitos da ordem sobrenatural; descobre-nos, enquanto é possível na terra, as perfeições de Deus: sua justiça, sua misericórdia, seu amor; faz-nos compreender também, na medida do possível, o aniquilamento do Verbo Encarnado no mistério da Encarnação, em sua Paixão sacratíssima, em sua descida ao sepulcro.
   E o Dom do Entendimento serve também para que conheçamos profundamente a nós mesmos, e vislumbremos a profundidade da nossa miséria. Às vezes ficamos impressionados com as mostras de humildade dos santos que nos parecem excessivas, quando como são Francisco de Assis queria que o pisoteassem e lhe dissessem que era o rebotalho do povo. Como é possível, pensamos, que santos que foram canonizados pela Igreja e cuja vida é admirável, tenham tido este conceito tão baixo de si mesmo? Porque eram iluminados pela luz de Deus.
   Quando um objeto é fracamente iluminado, podemos ter a ilusão de que está limpo; mas quando tem uma luz intensíssima, percebemos até a mínima coisa que possa tirar-lhe o brilho. Isso acontece quando somos iluminados pela luz de Deus; então sentimos a nossa pequenez e a nossa miséria; diante de Deus todos somos átomos pequeníssimos e insignificantes.
   Nos altos graus deste Dom tem-se um conhecimento mais profundo de todos os mistérios divinos, e, de certa forma, a visão de Deus.
   A este Dom corresponde aquela Bem-aventurança: “Bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus”. A pureza do coração e a paz que dele emana são fruto e prêmio do Dom do Entendimento.
   Essa pureza do nosso espírito às vezes é terrível, porque não se purifica o espírito a não ser com a dor. A noite escura do espírito de que fala são João da Cruz é obra, em grande parte, do Dom do Entendimento.
   O Dom do Entendimento deixa a alma numa profunda desolação para transformar seu entendimento, para purificar os olhos do espírito, para que um dia possa ver a Deus.
   O Evangelho narra que, certo dia, aproximando-se Jesus de Jericó, um cego começou a clamar; e por mais que os apóstolos quisessem afastá-lo de nosso Senhor, temendo que lhe fosse molesto, o cego mais e mais clamava. Jesus aproximou-se dele e disse-lhe: “Que queres que te faça?” e o cego respondeu: “Senhor, que eu veja!” Com estas palavras ele exprimia seu desejo supremo, a necessidade ingente que trazia na alma.
   Não é verdade que esta é uma das grandes necessidades do nosso coração e que deveria ser um dos nossos grandes anelos? Senhor, que eu veja! É tão triste e dolorosa a cegueira! É tão fecunda e tão bela a luz! Todos os dias deveríamos dizer a nosso Senhor como Bartimeu, o cego do Evangelho: Senhor, que eu veja!
   E o Dom do Entendimento nos faz ver na ordem sobrenatural, faz-nos penetrar no oculto, é, se assim podemos comparar o divino, o altíssimo, com as nossas pobres coisas humanas, é como esses raios misteriosos descobertos pela ciência que nos fazem ver o interior dos corpos opacos.
   Pelo Dom do Entendimento penetramos na profundidade das verdades. Esse Dom nos faz ver, corresponde a esse anelo que sentem os nossos corações de ver, por isso sempre, e, sobretudo agora, nas vésperas da grande solenidade de Pentecostes, é preciso que do fundo da nossa alma brote e se levante até o céu esta prece íntima, pedindo ao Espírito Santo: “Senhor, que eu veja!”


Do livro “Os Dons do Espírito Santo”, de autoria de Luís M. Martinez – Arcebispo Primaz do México – Apresentação: Pe. Haroldo J. Rahm SJ. – Edições Paulinas – 1976.