Há palavras felizes que exprimem com
admirável acerto o que significam que são se não a definição da coisa
significada, pelo menos a expressão exata dela. Tal é a palavra entender, em latim intellegere, intus legere –, que significa ler interiormente,
penetrar. E realmente isso é entender, penetrar no interior das coisas.
Na ordem natural, entendemos quando no
interior do sensível captamos, por assim dizer, o abstrato, o imaterial. E na
ordem sobrenatural, também entender é penetrar nas verdades sobrenaturais.
Assim como a luz natural da razão nos
faz penetrar as verdades sensíveis, para ver, para captar o imaterial, da mesma
forma a luz do Dom do Entendimento, do qual vou tratar neste capítulo, serve
para penetrar as verdades sobrenaturais e ler no íntimo, no profundo delas.
Realmente temos necessidade desta
penetração nas verdades; porque quanto mais se penetra numa verdade, maior
proveito recebe o espírito. Santo Inácio de Loyola, em seus Exercícios, adverte
que não é do muito saber que a alma tira proveito, mas do fato de penetrar e
saborear as coisas espirituais.
Para encontrar nosso proveito
espiritual não é necessário acumular leituras, conhecimentos e meditações; será
muito melhor penetrar algumas verdades, entende-las e saboreá-las.
E vemos isso com muitíssima frequência.
Quando se praticam exercícios espirituais, ou se faz um dia de retiro, ou
simplesmente se medita com atenção numa verdade sobrenatural, temos a impressão que nossa alma se transforma e
nos sentimos outros; é uma luz nova que produz em nossa alma uma nova atitude
com relação às coisas espirituais.
Para alcançar a perfeição é preciso
penetrar nas verdades sobrenaturais; mas para alcançar esta penetração não
basta a fé, porque a fé nos faz sentir as verdades pela autoridade de Deus que
as revelou, mas não nos faz penetrar nelas. Esta penetração vem do Dom do
Entendimento.
Os outros dons intelectuais não são
para penetrar: o do Conselho, como já expliquei, é para fazer a aplicação dos
grandes princípios cristãos às nossas ações concretas; a Ciência é para ir a
Deus por meio das criaturas, para conhecer a Deus através das criaturas, e a
Sabedoria como explicarei depois, é para olhar todas as coisas desde a excelsa
atalaia de Deus.
O Dom da penetração, o Dom da intuição,
é o Dom do Entendimento; por ele conseguimos um conhecimento mais profundo das
verdades sobrenaturais, dos mistérios cristãos, dos dogmas da nossa fé. E
quanto maior for o desenvolvimento alcançado em nossa alma por este Dom, tanto
mais profundo será o olhar, tanto mais penetrante será a intuição.
Porque e como o Dom do Entendimento
penetra nas verdades sobrenaturais? Tentarei explica-lo.
O porquê, não é mais do que uma
explicação dos princípios gerais acerca dos Dons, matéria já anteriormente
explicada. Os Dons intelectuais nos dão um conhecimento profundo das coisas
divinas, porque estamos unidos a Deus, por um doce, por uma íntima experiência
realizada pelo amor. Isso acontece em todos os Dons; portanto, acontece também
com o Dom do Entendimento.
Para ter este Dom, como todos os demais
do Espírito Samto, é preciso estar em graça, ter a caridade que é a raíz
profunda de onde brotam como renovos divinos os sete Dons do Espírito Santo.
Pela caridade nos unimos com Deus, aderimos a ele, e desta união íntima e desta
adesão firme, resulta o conhecimento experiencial.
Da mesma forma como nós – já expliquei
nos capítulos anteriores –, temos uma penetração singular para compreender as
almas que amamos, assim como para a nossa vida íntima não temos necessidade de
raciocinar, mas basta penetrar no íntimo do nosso ser para conhecê-la, assim
quando a alma está unida a Deus, o ver e o conhece por uma doce experiência.
Cada um dos Dons une a Deus, nos une ao
Espírito Santo como o Diretor, como o motor das nossas almas; mas ao mesmo
tempo nos une a Deus como o objeto do nosso amor. O Espírito Santo não só é
motor, é também Dom, o Dom de Deus, o Dom por excelência que recebemos.
Santo Tomás de Aquino diz coisas
admiráveis acerca deste ponto. O Dom, antes que o doador o outorgue, é daquele
que o dá; mas depois que o deu, é também daquele que o recebe. O Espírito Santo
é de Deus é de Deus, é Deus, mas quando nos é dado, é nosso. E é nosso, diz o
santo Doutor, como pode ser nossa uma coisa da qual podemos dispor com
liberdade; assim nós podemos, com liberdade, dispor deste Espírito que se
tornou nosso, isto é, podemos gozar dele quando quisermos, porque o possuímos,
porque nos pertence, porque está à nossa disposição.
E porque aderimos à Divindade temos, se
me for permitida a expressão, o sentindo do divino, os olhos iluminados do
coração, penetrantes e profundos, para ler no íntimo das verdades sobrenaturais.
De um modo especial, o Dom do
Entendimento supõe o conhecimento, a perfeita avaliação do fim.
Santo Inácio de Loyola em seus
exercícios estabelece como princípio e fundamento de todas as maravilhosas
considerações que faz para levar a alma a Deus, o fim do homem. É a primeira verdade que analisa de maneira sólida
e profunda. E este método tornou-se tradicional; sempre que se praticam
Exercícios ou se pregam Missões, começa-se de uma forma ou de outra por
apresentar esta doutrina transcendental do nosso fim último.
E com razão, porque o fim é, nas coisas
práticas, o que é o princípio nas ciências especulativas, dos princípios emanam
logicamente as conclusões; assim, na ordem prática, tudo está relacionado com o
fim; dependendo do fim que nos propomos, assim serão nossos atos e nossa
disposição.
Para compreender bem um discurso, é
indispensável que o orador nos indique o tema que vai desenvolver, o fim que se
propõe, ser-nos-á difícil segui-lo em suas elocubrações.
Quando conhecemos um fim que um pintor
se propôs ao pintar um quadro complicado e magistral, o compreendemos melhor,
sabemos o sentido de cada uma das figuras que integram o quadro; se não
conhecêssemos o fim, como poderíamos conhecer profundamente o sentido que o
pintor quis dar ao quadro?
Da mesma forma, quando temos um
perfeito conhecimento do fim, não especulativo mas experimental, porque nossa
vontade adere intimamente a ele, porque já possuímos este último fim em
princípio, porque possuímos a Deus em
nosso coração, então podemos compreender e penetrar as coisas divinas.
Esta é a obra realizada pelo Dom do
Entendimento; por ele, unidos como estamos ao nosso fim último, o Espírito
Santo nos move para que penetremos nas profundezas de todas as verdades
sobrenaturais.
Como se faz esta admirável penetração?
Claro que pelo Dom do Entendimento não contemplamos em todo o seu esplendor e
em toda a sua plenitude o que se encontra em cada uma das verdades
sobrenaturais; somente no céu poderemos ter esta visão sem véus e sem sombras
das coisas divinas; somente no céu, quando com a luz da glória contemplarmos,
face a face, a Deus e sentirmos em nosso coração o seu amor beatífico, a visão
das coisas divinas será para nós positiva, radiosa, plena.
Na terra, mesmo sob o regime dos Dons,
vivemos sempre na semiobscuridade do desterro; porventura já não ficou
explicado nos capítulos anteriores que os Dons do Espírito Santo se fundamentam
na fé? E a fé é sempre obscura; e, segundo a expressão do apóstolo são Pedro, a
lâmpada que brilha no desterro, enquanto chega o dia esplêndido da glória e
brilha em nossas almas o luzeiro da manhã.
Mas apesar de ser negativa a visão que
o Dom do Entendimento nos dá, faz-nos penetrar profundamente nas verdades
sobrenaturais com um acerto eficacíssimo. O Dom do Entendimento nos faz
distinguir o verdadeiro do falso na ordem sobrenatural; mais ainda, faz-nos
compreender que as coisas divinas estão acima das coisas humanas.
Para que compreendamos isto, vou fazer
uma observação. Para falar das coisas sobrenaturais, valemo-nos sempre dos
símbolos e das figuras sensíveis; é a lei da nossa psicologia: “Os atributos
invisíveis de Deus tornam-se reconhecíveis com a consideração da mente humana
acerca das coisas criadas” (Rm 1,20). Por isso, tratando-se da ordem
sobrenatural, encontramos a cada passo um símbolo, porque a cada passo
encontramos um mistério.
Não podemos falar das coisas divinas a
não ser compreendendo-as com as coisas deste mundo e servindo-nos de imagens,
de símbolos, de figuras.
Assim dizemos que o batismo é um novo
nascimento, que o homem torna a nascer, como o explicou Jesus Cristo a
Nicodemos. Ele não conseguia compreender: e Jesus Cristo lhe dizia: “És mestre
em Israel e não entendes estas coisas? Se não me entendes falando das coisas da
terra, como me entenderias se te falasse das coisas celestiais?”
“Eu sou a vide e vós sois ramos”, dizia
também Jesus para explicar-nos a união íntima que existe entre ele e nós. “Se
alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”,
exortava para pregar a abnegação cristã. E assim, em todas as páginas do
Evangelho encontramos figuras e símbolos.
Mas há perigo de querer tomar ao pé da
letra estas figuras e esses símbolos com o que diminuímos as coisas divinas e
as reduzimos a coisas ínfimas. Mas o Dom do Entendimento faz-nos penetrar
nessas figuras e nos símbolos, de tal maneira que sentimos que a coisa
significada ou simbolizada está muito acima do símbolo e da figura; o símbolo
não é mais do que uma rocha em que nos apoiamos e colocamos nossos pés para
lançar-nos no infinito.
Assim o Dom do Entendimento penetra no
fundo, no íntimo das verdades sobrenaturais e nos dá um conhecimento vivo, um
conhecimento íntimo das coisas divinas.
Este Dom é um dos Dons da Contemplação;
por meio dele e por seu influxo, o Espírito Santo eleva as almas à
contemplação, que é um olhar singular e profundo de Deus e das coisas divinas.
Poder-se-ia dizer que a contemplação é a luz belíssima dos que amam. E esta
contemplação que possuem as almas que chegaram a certa altura nos caminhos da
vida espiritual tem como um dos seus princípios essenciais o Dom do
Entendimento.
Mas não é somente intelectual; tem
também um influxo preponderante em nossa vida prática. Porque, como diz a
Escritura, a fé opera pela caridade; e o Dom do Entendimento, ao fazer-nos
penetrar nas profundidades das verdades da fé, tem que fazer-nos compreender
também o que se refere às nossas ações; às obras de amor e de caridade que
temos que praticar para alcançar a vida eterna.
De maneira que também o Dom do
Entendimento tem seu influxo em nossa vida prática e, como dizia no começo, é
indispensável para que possamos alcançar a felicidade eterna das nossas almas.
Há uma regra exata e compreensiva para
determinar o campo que é próprio deste Dom. O Dom do Entendimento serve-nos
para descobrir o oculto, todo o oculto de que temos necessidade para nossa
salvação, onde quer que haja algo misterioso. O do Entendimento no-lo faz
compreender e penetrar, desde que seja, repito, uma coisa necessária para a
nossa salvação.
Não nos lembramos de que, no santo
Evangelho, Jesus respondia sempre as perguntas, às vezes impertinente, que lhes
faziam os apóstolos? Quantas vezes lhe fizeram perguntas para entender coisas
que agora nos parecem muito simples e nosso Senhor, com paciência heroica,
explicava aos apóstolos as coisas mais óbvias, sempre que se relacionavam com a
salvação das almas e os mistérios do Reino dos céus.
Mas quando lhes perguntavam coisas
curiosas, não lhes respondia. No dia da Ascenção lhe disseram: “Senhor
restaurarás por esse tempo o reino de Israel?” E Jesus lhes disse: “Não vos
compete conhecer os tempos e os momentos que o Pai reservou em seu poder”.
E quando o apóstolo são Pedro
perguntou, às margens do lago de Tiberíades, a respeito de são João: “E deste,
que será Senhor?” Jesus lhe respondeu: “Que tens com isso? Segue-me”. Jesus
nunca respondia às perguntas curiosas; mas aquelas que se relacionavam com a
salvação das nossas almas, sempre, por impertinentes que fossem, Jesus as
explicava com minuciosa solicitude.
Assim, o Dom do Entendimento nos
descobre o oculto, mas o oculto que é útil para nossa salvação.
Pode-se até exprimir os principais
casos em que o Dom do Entendimento descobre o oculto.
Pode-se ocultar a substância sob os acidentes, como a sagrada Eucaristia; os
acidentes eucarísticos são acidentes de pão e acidentes de vinho, mas sob estes
acidentes oculta-se o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. O Dom do Entendimento faz-nos penetrar
através desses acidentes na substância de Jesus Cristo que ali se oculta. Houve
santos dotados do sentido da Eucaristia, que adivinhavam a presença de Jesus
Cristo onde quer que estivesse. Era sem dúvida um efeito, um fruto do Dom do
Entendimento: através dos acidentes descobriam a substância que se ocultava.
Também os conceitos, as verdades, se ocultam sob as palavras. Nas Escrituras, quantas expressões difíceis de serem
entendidas! E como sob essas expressões estão contidos verdadeiros mistérios, o
Dom do Entendimento nos faz penetrar as palavras da Escritura para descobrir o
que elas têm de oculto, para descobrir seu sentido misterioso e arcano.
Nas
figuras e nos símbolos ocultam-se as realidades; não nos diz, por exemplo, o
apóstolo são Paulo que tudo o que acontecia aos israelitas no antigo Testamento
era figura e símbolo da Nova Aliança? Não diz que a pedra de onde brotava a
água era Cristo e que o maná era símbolo da Eucaristia? E não nos ensina o
simbolismo de muitas das cerimônias da Antiga Aliança? Sob as figuras está
contida a coisa figurada ou significada, e o Dom do Entendimento descobre sob
os símbolos as coisas que simbolizam.
Sob o visível se oculta o invisível e o
divino. Temos um exemplo disso no mundo material: está cheio de Deus. Acaso não
diz a Escritura que os céus contam a glória de Deus e que a terra está cheia de
sua majestade? No capítulo anterior, disse que em cada criatura há uma centelha
de Deus e recordava aquela estrofe sublime de são João da Cruz:
“Mil
graças derramondo,
passou
por estes bosques com presteza,
e,
tendo-os olhado,
com
sua simples figura
deixou-os
vestido de sua beleza”.
O mundo está cheio do divino, o deve
ter visto Adão no Paraíso antes da culpa, como o viram os santos; já disse com
que olhar profundo e celestial Francisco de Assis via todas as coisas criadas.
Mas para descobrir o divino que o visível oculta, há necessidade do Dom do
Entendimento.
Sob as causas ocultam-se os efeitos. Os
Sacramentos são causas da graça; exteriormente. os Sacramentos não são mais do
que coisas visíveis: um sacerdote que derrama água na cabeça de uma criança,
dizendo-lhe palavras misteriosas; o Ministro de Deus que estende a sua mão
consagrada sobre o pecador arrependido e lhe diz: eu te absolvo em nome do Pai
e do Filho e do Espírito Santo.
Mas sob estas coisas, sob estas causas
aparentemente sem transcendência, realizam-se verdadeiros prodígios. Se
soubéssemos o que se realiza quando um pecador se justifica! Santo Tomás de Aquino
não vacila em dizer que a justificação de um pecador é uma obra mais importante
do que a criação do mundo.
Nos acontecimentos humanos escondem-se
os desígnios providenciais de Deus. No último dia dos tempos e lá no céu
eternamente, contemplaremos o sentido profundo da História humana. Agora vemos
as coisas de maneira fragmentária e imperfeita, o porquê da guerra, o porquê
das catástrofes, o porquê das vicissitudes tremendas que há na História. Agora
com dificuldade podemos dizer algo acerca desses acontecimentos porque sabemos
que são regidos pela divina, pela sapientíssima providência de Deus.
Mas no céu compreenderemos o sentido
profundo da história; então saberemos com perfeita exatidão o porquê de todos
os acontecimentos humanos. E então louvaremos a Deus tanto pela paz como pela
guerra, tanto pela dor como pela alegria; porque tudo é feito com número, peso
e medida, tudo é disposto com admirável sabedoria.
Pelo Dom do Entendimento, desde a terra
começamos a penetrar nessas coisas ocultas, pois o Dom do Entendimento penetra
em todas as verdades sobrenaturais e descobre o que está oculto qualquer que
seja o invólucro sob o qual se esconde.
Todo cristão tem esse Dom, como todos
os demais Dons do Espírito Santo; não são graças extraordinárias que Deus só
concede às almas escolhidas, não; todo aquele que está na graça de Deus possui
os Dons do Espirito Santo, e se os possui sempre é porque a cada passo pode
precisar deles.
E penso que o Dom do Entendimento é um
Dom a respeito do qual se vê claramente a necessidade que temos dele; como
poderíamos penetrar profundamente nas verdades sobrenaturais se não
possuíssemos o Dom do Entendimento? Tenhamos como certo que, muitas vezes em
nossa vida, sentimos o influxo do Dom do Entendimento e penetramos, mesmo que
seja rapidamente, nas verdades sobrenaturais.
Não é verdade que em alguns momentos da
nossa vida vimos com maior clareza alguma ou algumas das verdades que o
Evangelho nos ensina? Numa grande solenidade litúrgica, ou no meio de um retiro
espiritual, ou nos momentos em que recebemos a Eucaristia, não passou por nossa
mente um relâmpago da luz celestial? Não vimos num momento certas coisas que
antes não havíamos compreendido?
É o Dom do Entendimento que todo
cristão tem e que faz todo cristão penetrar nas verdades sobrenaturais, sempre
que dele tem necessidade para alcançar a salvação. E, à medida que vai subindo
de grau, este Dom vai produzindo coisas mais admiráveis em nossa alma, faz-nos
penetrar nos mistérios, faz-nos compreender harmonias belíssimas nas coisas
espirituais.
Assim como contemplamos, às vezes, do
cume de uma montanha, um espetáculo maravilhoso, cumes que se sucedem uns aos
outros, vales risonhos cobertos de flores, horizontes misteriosos que se perdem
na imensidão; assim, o Dom do Entendimento, quando chegou ao seu grau máximo de
desenvolvimento faz-nos contemplar esses panoramas magníficos, essas harmonias
profundas, esses horizontes infinitos da ordem sobrenatural; descobre-nos,
enquanto é possível na terra, as perfeições de Deus: sua justiça, sua
misericórdia, seu amor; faz-nos compreender também, na medida do possível, o
aniquilamento do Verbo Encarnado no mistério da Encarnação, em sua Paixão
sacratíssima, em sua descida ao sepulcro.
E o Dom do Entendimento serve também
para que conheçamos profundamente a nós mesmos, e vislumbremos a profundidade
da nossa miséria. Às vezes ficamos impressionados com as mostras de humildade
dos santos que nos parecem excessivas, quando como são Francisco de Assis
queria que o pisoteassem e lhe dissessem que era o rebotalho do povo. Como é
possível, pensamos, que santos que foram canonizados pela Igreja e cuja vida é
admirável, tenham tido este conceito tão baixo de si mesmo? Porque eram
iluminados pela luz de Deus.
Quando um objeto é fracamente
iluminado, podemos ter a ilusão de que está limpo; mas quando tem uma luz
intensíssima, percebemos até a mínima coisa que possa tirar-lhe o brilho. Isso
acontece quando somos iluminados pela luz de Deus; então sentimos a nossa
pequenez e a nossa miséria; diante de Deus todos somos átomos pequeníssimos e
insignificantes.
Nos altos graus deste Dom tem-se um
conhecimento mais profundo de todos os mistérios divinos, e, de certa forma, a
visão de Deus.
A este Dom corresponde aquela
Bem-aventurança: “Bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a
Deus”. A pureza do coração e a paz que dele emana são fruto e prêmio do Dom do
Entendimento.
Essa pureza do nosso espírito às vezes
é terrível, porque não se purifica o espírito a não ser com a dor. A noite
escura do espírito de que fala são João da Cruz é obra, em grande parte, do Dom
do Entendimento.
O Dom do Entendimento deixa a alma numa
profunda desolação para transformar seu entendimento, para purificar os olhos
do espírito, para que um dia possa ver a Deus.
O Evangelho narra que, certo dia,
aproximando-se Jesus de Jericó, um cego começou a clamar; e por mais que os
apóstolos quisessem afastá-lo de nosso Senhor, temendo que lhe fosse molesto, o
cego mais e mais clamava. Jesus aproximou-se dele e disse-lhe: “Que queres que
te faça?” e o cego respondeu: “Senhor, que eu veja!” Com estas palavras ele
exprimia seu desejo supremo, a necessidade ingente que trazia na alma.
Não é verdade que esta é uma das
grandes necessidades do nosso coração e que deveria ser um dos nossos grandes
anelos? Senhor, que eu veja! É tão triste e dolorosa a cegueira! É tão fecunda
e tão bela a luz! Todos os dias deveríamos dizer a nosso Senhor como Bartimeu,
o cego do Evangelho: Senhor, que eu veja!
E o Dom do Entendimento nos faz ver na
ordem sobrenatural, faz-nos penetrar no oculto, é, se assim podemos comparar o
divino, o altíssimo, com as nossas pobres coisas humanas, é como esses raios
misteriosos descobertos pela ciência que nos fazem ver o interior dos corpos
opacos.
Pelo Dom do Entendimento penetramos na
profundidade das verdades. Esse Dom nos faz ver, corresponde a esse anelo que
sentem os nossos corações de ver, por isso sempre, e, sobretudo agora, nas
vésperas da grande solenidade de Pentecostes, é preciso que do fundo da nossa
alma brote e se levante até o céu esta prece íntima, pedindo ao Espírito Santo:
“Senhor, que eu veja!”
Do livro “Os Dons do Espírito Santo”,
de autoria de Luís M. Martinez – Arcebispo Primaz do México – Apresentação: Pe.
Haroldo J. Rahm SJ. – Edições Paulinas – 1976.
Nenhum comentário:
Postar um comentário