segunda-feira, 22 de julho de 2013

Espírito Santo - Dom da Sabedoria


Dom da Sabedoria

   Nos capítulos anteriores mostrei o admirável paralelismo que existe entre a ordem natural e a sobrenatural. Na primeira bagagem intelectual do nosso espírito não é formada de conhecimentos isolados, mas o espírito realiza ali uma coordenação de conhecimentos, forma com eles um sistema, imprime-lhes unidade; cada ciência coordena os conhecimentos que lhe pertencem e os estuda em suas causas e em seus princípios. E nosso espírito pretende ainda fazer uma coordenação superior, a coordenação da sabedoria, unificando e coordenando nas coisas mais altas e profundas todo o campo vastíssimo dos conhecimentos humanos,
   Com maior razão são necessárias estas coordenações na ordem sobrenatural; não seria suficiente penetrar, uma por uma, as verdades pelo Dom do Entendimento, como o expliquei, para ter a perfeição do conhecimento sobrenatural; é preciso perceber os vínculos que unem entre si as criaturas, e as criaturas com Deus, é indispensável que todos os conhecimentos sobrenaturais que possuímos formem também uma coordenação, um sistema e se unifiquem.
   O Dom da Ciência estabelece certa coordenação; mas a coordenação suprema, a que abarca, por assim dizer, numa unidade perfeita todos os conhecimentos sobrenaturais, é o Dom da Sabedoria.
   Assemelha-se ao conceito de sabedoria que temos na ordem natural; nesta ordem, a sabedoria é a coordenação de todos os nossos conhecimentos pelas causas altíssimas das coisas. E na ordem sobrenatural dos Dons, o Dom da Sabedoria abarca todos os conhecimentos sobrenaturais e os coordena na causa suprema, no princípio altíssimo, em Deus.
   Este Dom que vou mostrar agora é o mais alto de todos os Dons, tem uma riqueza incalculável, porque são Paulo assegura que o homem espiritual julga todas as coisas e, como muito bem explica o apóstolo nesta passagem da primeira Carta aos coríntios, as julga porque recebeu o Espírito Santo, que perscruta até as profundezas de Deus. “O Espírito perscruta todas as coisas, até as profundezas de Deus” (I Cor 2,10). Nós recebemos este Espírito e por isso, diz, não falamos com as palavras da sabedoria humana, mas com a doutrina do Espírito Santo que recebemos em nós.
   O Dom da Sabedoria abarca tudo, mas nesses vastos conhecimentos que a alma pode alcançar pelo Dom da Sabedoria há uma unidade perfeita, porque consiste tudo a partir da excelsa atalaia, olha tudo a partir da causa suprema de Deus.
   Para compreender, na medida do possível, este Dom, devo recordar uma doutrina que já expus muitas vezes nesta série de capítulos acerca dos Dons do Espírito Santo. Expliquei como pelos Dons conhecemos por certa conaturalidade com as coisas que são objeto dos nossos conhecimentos e por uma experiência íntima que temos das coisas divinas. Embora o tenha repetido várias vezes, quero dizê-lo mais uma vez; porque, de um lado, é difícil encontrar esta ideia e, de outro, é fundamental para o conhecimento do Dom da Sabedoria.
   O conhecimento que temos pelos Dons do Espírito Santo é um conhecimento que nasce de uma experiência íntima, de uma conaturalidade e proporção que chegamos a ter com as coisas que conhecemos, em virtude de estarmos unidos com Deus pela virtude da caridade.
   Já disse, em algum dos capítulos anteriores, como até mesmo na ordem natural o amor é uma fonte de conhecimentos: compreendemos muito bem o que amamos.
   O artista que ama uma beleza em qualquer ordem, com que facilidade compreende todas as coisas relacionadas com ela; há conaturalidade, há proporção entre a beleza que a arte realiza e a maneira de ser dele, visto que seu espírito está inclinado justamente a conhecer as coisas belas.
   E o arqueólogo que ama as antiguidades e descobre por toda parte os vestígios do passado, tem o sentido do antigo; o amor que possui para com este gênero de conhecimentos faz com que compreenda melhor todas as coisas relacionadas com este ramo.
   E quando uma pessoa ama outra e a trata com intimidade, com que facilidade compreende os sentimentos íntimos da pessoa amada, como parece adivinhar seus sentimentos; não é a mesma coisa que conhecer uma pessoa por referências e conhece-la pelo trato íntimo, e quanto mais íntimo é o trato, mais perfeitamente se conhece.
   Não é verdade que os que se amam estão, de certa forma, um no outro? O próprio Jesus nos diz com relação ao seu amor: “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue, permanece em mim e eu nele”. E na verdade, quem ama, está no objeto amado, projeta seu coração, sua inteligência e seu ser naquele que ele ama, e traz no íntimo de sua alma, no mais profundo das suas entranhas, o ser amado, são Paulo atreveu-se a dizer aos fiéis: “Trago-os no íntimo do meu coração”.
   Mas não é simplesmente esta virtude que o amor tem de fazer-nos compreender o que amamos e de aplicar todas as nossas faculdades para chegar ao conhecimento mais profundo do ser amado o que basta para explicar esta experiência íntima que temos das coisas divinas pelos Dons do Espírito Santo. Existe algo ainda mais perfeito; por nós, pela caridade, estamos intimamente unidos a Deus. Por mais que nos esforcemos não chegaremos a compreender até que ponto é estreita, até que ponto é íntima, nossa união com Deus.
   Jesus se esforçou, particularmente na noite da Ceia, para explicar-nos esta união que temos com ele: “Eu sou a videira, vós sois os ramos; os ramos não podem produzir fruto se não estão unidos à videira, assim vós, sem mim nada podeis fazer”.
   E como se aquela comparação não fosse suficiente, como não o é, para exprimir a união estreitíssima que existe entre ele e nós, chegou a comparar a união que tem conosco com a união inefável que têm entre si as três pessoas Divinas da Trindade: “Pai – disse na oração sacerdotal, na noite da Paixão –, que todos sejam uma só coisa como tu e eu somos uma só coisa. Tu em mim, e eu neles, para que todos sejam consumados na unidade”.
   Não há união comparável a que temos com Deus pela caridade; consideremos, uma a uma, todas as uniões da terra, são superficiais, são limitadas, não têm a profundidade íntima que tem a união que temos com Deus pela caridade.
   O apóstolo são Paulo se atreve a dizer: “Aquele que adere a Deus, é um só espírito com ele” (I Cor 6,17).
   E visto que estamos tão unidos e que esta união é mais íntima do que qualquer outra sobre a terra, é natural que esta união com Deus nos faça penetrar como por doce experiência, por uma experiência íntima, as coisas divinas.
   Permita-se-me ainda uma comparação muito grosseira, mas que sem dúvida será útil para compreender o que exprime. Quando temos em nossa boca uma fruta, apreciamos seu sabor muito melhor do que se lêssemos as descrições que se encontram nos tratados de Botânica: Que descrição poderia ser comparável ao gosto que experimentamos quando provamos uma fruta? Assim, quando estamos unidos a Deus e temos dele uma experiência íntima, isso nos faz conhecer muito melhor as coisas divinas do que todas as descrições que os eruditos possam fazer e do que todos os livros dos homens mais sábios.
   O conhecimento dos Dons é um conhecimento que se adquire por conaturalidade e por experiência íntima, em virtude da união estreitíssima que temos com Deus.
   Mas se é certo que isso se verifica em todos os Dons, de maneira especial se verifica no Dom da Sabedoria; é próprio deste Dom fazer-nos conhecer a Deus e as coisas divinas por uma íntima e doce experiência de amor. Por isso diz são Dionísio falando de Hieroteu: “Hieroteu é perfeito nas coisas divinas, porque não só as aprende, mas as experimenta”.
   Experimentar as coisas divinas, saboreá-las no íntimo do nosso coração é por este gosto e experiência julgar de todas as coisas, tal é o que realiza em nossas almas o Dom da Sabedoria.
   Mas quero explicar por que esta doutrina da conaturalidade e da experiência se aplica, de maneira singular, ao Dom da Sabedoria.
   Pela caridade – essa virtude rainha, essa virtude suprema, que é a forma de todas as virtudes, o Dom mais precioso que recebemos de Deus depois da graça –, pela caridade nos unimos a Deus e esta união tem muitos aspectos: unimo-nos a Deus como ao motor e ao diretor das nossas almas, como ao único fim das nossas ações, como ao objeto que experimentamos e que saboreamos; mas daqui resultam diversas maneiras de perceber a Deus.
   No capítulo anterior expliquei como o Dom do Entendimento orienta para Deus como o fim último do homem; penetra nas verdades sobrenaturais pela adequada avaliação do fim. Cada Dom tem sua maneira própria de tocar a Deus.
   Mas, sabemos como o Dom da Sabedoria toca a Deus? Toca-o como a Bondade infinita, saboreada e experimentada. Há uma analogia notável entre o objeto da caridade e o objeto do Dom da Sabedoria; o objeto da caridade é Deus em si mesmo, em sua bondade; o objeto do Dom da Sabedoria é essa mesma bondade, mas enquanto experimentada, saboreada.
   Por isso, este Dom da Sabedoria tem uma relação estreitíssima com a caridade, é um Dom que brota da caridade e que conduz à caridade. Brota da caridade, porque o que possui o Dom da Sabedoria conhece porque ama; e se for permitido empregar a frase de um místico – já sabemos que a linguagem dos místicos é audaz, mas é brilhante e expressiva –, direi que pelo Dom da Sabedoria, “vemos pelos olhos do amado”, pelos olhos de Deus.
   A expressão é audaz, mas exprime a realidade. Se pudéssemos entrar dentro de Deus e olhar pelos seu olhos, que veríamos? Veríamos as coisas à maneira divina; assim são vistas as coisas pelo Dom da Sabedoria, são vistas em Deus, são vistas a partir dessa atalaia excelsa.
   Mas podemos penetrar em Deus, ver por seus olhos e olhar por sua mente, porque a caridade nos uniu estreitamente com ele, porque aderimos a ele e formamos com ele um só espírito. (I Cor 6,17).

   O Dom da Sabedoria que brota da caridade também conduz a ela; a luz deste Dom não é fria e inerte, como costuma ser a luz da sabedoria humana, mas é ardente e vital, como o raio de sol, que em sua essência sutil funde a luz, o calor e a energia. A luz do Dom da Sabedoria inflama de amor o coração e, desta forma, volta ao princípio do qual emanou e consuma o círculo divino.
   Poderia parecer estranho que o Dom da Sabedoria, que como todos os Dons intelectuais tem que fundasse na fé, supera seu próprio fundamento, porque os conhecimentos que podemos ter pelo Dom da Sabedoria, embora estejam dentro do campo da fé, excedem de maneira incrível o conhecimento da fé. Como é possível que a Sabedoria supere o seu próprio fundamento?
   Se penetrássemos na natureza da inteligência e da vontade, poderíamos encontrar o segredo dessa aparente anomalia. Ensina santo Tomás de Aquino que é melhor conhecer do que amar as coisas inferiores a nós, mas é melhor amar as coisas que são superiores.
   Com relação a Deus, é melhor amá-lo do que conhecê-lo; porque o conhecimento faz com que as coisas venha a nós e se adaptem à nossa maneira de ser; mas o amor, que é a caridade, nos faz sair de nós mesmos e nos lança no objeto amado.
   Quem ama se assemelha à coisa amada; quem conhece, adapta a coisa conhecida à sua própria maneira de ser. De sorte que quando se trata de coisas inferiores as elevamos quando as conhecemos, porque lhes damos o nosso próprio modo de ser; mas quando amamos as coisas inferiores, nos diminuímos. Ao contrário, quando conhecemos as coisas superiores, diminuímo-las, de certa forma, para que se adaptem à nossa inteligência; mas quando as amamos, elevamo-nos até elas.
   Por isso, nesta vida, é melhor amar a Deus do que conhecê-lo, e por isso é mais perfeito o amor a Deus pela caridade do que o conhecimento pela fé. Neste mundo, o conhecimento sempre tem deficiências; o amor, ao contrário, que é um presente do Espírito Santo, uma imagem sua, tem maior perfeição mesmo neste mundo.
   A caridade na terra não difere da caridade no céu, é essencialmente a mesma, ao passo que a fé se detém nos umbrais da eternidade para que a visão venha substituí-la. Por isso não é raro que a caridade supere o seu fundamento e que por meio dela tenhamos um conhecimento mais amplo, mais profundo e, se se pode dizer, mais divino, do que a fé.
   Na verdade, o campo do Dom da Sabedoria é vasto, vastíssimo; inclui todas as coisas que a fé abarca as coisas divinas e as coisas humanas que caem sob a fé, que foram reveladas, a sabedoria inclui tudo. Já citei a palavra do apóstolo são Paulo: “O Espírito perscruta tudo”. O homem espiritual julga todas as coisas, nada escapa de sua perspicácia e de sua sabedoria sobrenatural.
   Mas seu objeto próprio, seu objeto primário, é Deus; os olhos da sabedoria mergulham na divindade pela contemplação. E porque contemplam o divino, permita-se-me que repita a mesma expressão, veem pelos olhos do Amado, e daquela excelsa atalaia descobrem todas as coisas que devemos conhecer na ordem sobrenatural.
   Este Dom da Sabedoria é o mais alto de todos os Dons e dirigem a todos; é um Dom altíssimo. O Dom do Entendimento é dirigido pela sabedoria, e por isso forma o primeiro par na enumeração de Isaías de que falei num dos primeiros capítulos. Diz o profeta que da raiz de Jessé sairá um ramo e desse ramo nascerá uma flor, e sobre essa flor descansará o Espírito de Deus, o Espirito da Sabedoria e do Entendimento, o Espírito do Conselho e da Fortaleza, o Espírito da Ciência e da Piedade, e o encherá o Espírito do Temor de Deus,
   No primeiro dos pares enunciado por Isaías estão a Sabedoria e o Entendimento, porque a Sabedoria é um Dom diretor até mesmo do Dom do Entendimento, é o Dom supremo que exerce seu influxo sobre todos os Dons, repito; é como que o cume onde pode chegar o conhecimento humano.
   Este Dom da Sabedoria tem uma importância capital na contemplação sobrenatural. O Dom do Entendimento certamente influi na contemplação, porque purifica a alma para que possa contemplar as coisas divinas e penetrar na verdade da fé, e por essas duas operações preparo o terreno, por assim dizer, para o Dom da Sabedoria.
   O Dom da Sabedoria é o Dom supremo da contemplação; por ele nossa alma se eleva ao ponto mais alto que se possa subir; mais o que o Dom da Sabedoria, somente o céu, a visão beatífica.
   Ensina-nos os teólogos que pelo Dom da Sabedoria se chega a contemplação mais perfeita de Deus e que este Dom é a característica das altas etapas da vida espiritual; é, poderíamos dizer, o Dom dos santos; não porque somente eles o tenham; graças a Deus, repito, desde o dia do nosso batismo possuímos todos os Dons; mas embora possuamos todos os Dons, nem sempre eles alcançam seu perfeito desenvolvimento, por nossa culpa, ou ao menos, por nosso descuido.
   Todos os homens temos as mesmas faculdades, e acaso não vemos muitos ignorantes que jamais cultivaram suas faculdades intelectuais? Desenvolveram seus músculos, têm uma força material poderosa; mas descuidaram o desenvolvimento da inteligência. Assim existem muitas almas que descuidam o desenvolvimento destes Dons magníficos que receberam da mão munificente e santificadora de Deus.
   Os santos, os que chegaram ao cume da perfeição, possuem de maneira perfeita todos os Dons, mas de modo particular o Dom da Sabedoria.
   E esse Dom produz em nós a semelhança, por assim dizer, mais perfeita com Jesus Cristo. Não nos lembramos daquela frase misteriosa de são Paulo: “Nós todos que, com o rosto descoberto, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transformados nessa mesma imagem, cada vez mais fúlgida” (II Cor 3,18).
   Essa sucessão de luz, essa série de claridade, pelas quais a alma vai se transformando em Jesus Cristo, é o processo do Dom da Sabedoria. Quando este alcança na alma seu perfeito desenvolvimento, então a alma tem a imagem de Jesus, essa imagem é a sabedoria criada, reflexo da Sabedoria infinita, como a caridade é o reflexo do Espírito Santo.
   Por isso a sétima bem-aventurança é fruto do Dom da Sabedoria: “Bem-aventurados os pacíficos porque eles são filhos de Deus”. Esta paz é produzida pelo Dom da Sabedoria; este Dom produz aquela paz de que fala o apóstolo Paulo: “A paz de Deus, que supera todo o conceito” (Fl 4,7). Uma paz que supera tudo o que nós podemos ´perceber pelos nossos sentidos, uma paz que está acima de toda a paz humana.
   Este olhar divino com que se contempla o mundo vem produzir em nossa alma uma paz profunda, uma paz imperturbável.
   As almas que possuem de maneira perfeita o Dom da Sabedoria são os pacíficos, e eles são os filhos de Deus, têm a adoção perfeita, a filiação consumada, porque a sabedoria gravou em suas almas a imagem mais perfeita que se pode ter sobre a terra do Filho de Deus.
   É claro que neste Dom, como todos os demais, existem graus. O primeiro grau do Dom da Sabedoria – que se possui a partir do momento em que se tem o Dom – faz-nos aderir a Deus, e por aderirmos a ele temos um juízo reto, uma retidão sobrenatural para julgar das coisas divinas e, ao mesmo tempo, por esse primeiro grau dispomos de normas divinas para regular nossas ações e operações.
   No segundo grau chegamos a ter o gosto, um sabor especial pelas coisas divinas. Não nos lembramos daquelas palavras de são Paulo que a Santa Igreja nos repete durante o tempo Pascal: “Uma vez, pois, que ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas lá de cima, onde Cristo está assentado à direita de Deus” (Cl 3,1-2).
   Saboreai o que é de cima! Saborear as coisas divinas é próprio do Dom da Sabedoria. Poderíamos empregar esta expressão por analogia com os sabores materiais. O Dom da Sabedoria nos dá um sabor, um gosto pelas coisas divinas.
   E pela suavidade e pelo gosto que experimentamos nas coisas divinas chegamos a desprezar as satisfações humanas. Vemos isto nos santos. Santa Teresa do Menino Jesus não pediu a Deus que lhe pusesse uma gota de amargura em todas as satisfações da terra? Parece incrível que se faça semelhante pedido; geralmente desejamos exatamente o contrário; que Deus ponha em tudo uma gota de mel, que em todas as coisas da nossa vida, até em nossos sofrimentos, haja uma gota de doçura. Santa Teresa de Lisieux pedia a Deus que não lhe permitisse saborear nenhuma das satisfações humanas.
   É que depois de saborear as coisas divinas desprezam-se as coisas humanas; como esses paladares delicados que se acostumaram a manjares finos já não podem apreciar os alimentos comuns; assim não se pode apreciar as coisas da terra depois de experimentar o sabor íntimo das coisas divinas.
   Mas há também outro efeito muito próprio do Dom da Sabedoria: faz-nos conhecer os tesouros da dor e faz-nos sentir um desejo vivíssimo dela. Já disse que para conhecer e amar a dor temos o Dom da Ciência, mas é ainda mais profundo o conhecimento que se tem da dor pelo Dom da Sabedoria e mais vivo o desejo de sofrer.
   Todos os santos que quiseram sofrer e que estavam impacientes por sofrer o martírio fizeram-no sob o influxo do Dom da Sabedoria: Santo Inácio de Antioquia que disse: “Sou trigo de Cristo e é necessário que eu seja triturado pelos dentes das feras para converter-me em pão imaculado”; santa Teresa que dizia: “Ou sofrer ou morrer”; santa Maria Madalena de Pazzis que afirmava: “Não morrer, mas padecer”. Todos esses desejos parecem estranhos, parecem anormais, parecem loucuras, quando não se compreendem sua razão profunda.
   À luz do Dom da Sabedoria, é tão bela a Cruz! É tão doce a dor! Tem algo de divino, tem algo de Jesus, é a escada reta e luminosa por onde se sobe aos céus. Onde está a dor, está a cruz impregnada de amor, e das entranhas da dor brota a perfeita alegria que são Francisco de Assis nos ensinou maravilhosamente.
   Para entender essas coisas é necessário o Dom da Sabedoria. O homem animal não percebe as coisas divinas, diz são Paulo; o homem espiritual julga todas as coisas. Quando o Dom da Sabedoria se desenvolveu em nós, por meio dele o Espírito Santo nos faz penetrar nas riquezas da cruz, nas maravilhas da dor, e então a desejamos com todas as forças da nossa alma, com todos os anelos do nosso coração.
   Nos altos graus do Dom da Sabedoria, as almas já vivem uma vida celestial, parece que começam a saborear as delícias do Amado, já não querem olhar para nenhuma das coisas da terra, já veem todas as coisas em relação à Pátria. É o que dizia são Bernardo: “Quando escreves, teu relato não tem para mim nenhum sabor se ali não estiver o nome de Jesus. Uma conferência ou uma conversa não me agradam, se meus ouvidos não escutam o nome de Jesus. Jesus é mel para os lábios, melodia para os ouvidos, júbilo para o coração” (Homil., 15 in Cant.). Via tudo em relação a Deus, via tudo em relação ao céu.
   Essas almas começam a contemplar algo de Deus desde esta terra, olham todas as coisas com os olhos do amado, e contemplam o universo desde a excelsa atalaia da Divindade.
   Concluí a exposição que ofereci dos Dons do Espírito Santo. Não sei se acertei em dar alguma ideia, ainda que vaga, destas maravilhas de Deus; mas estou certo de que a exposição que fiz, se não encheu de luz o nosso espírito, pelo menos encheu de inquietação a nossa alma. Sentimos a inquietação daquele que pressente outro mundo melhor, a inquietação daquele que não consegue compreender as coisas, mas as vislumbram.
   Estou certo de que a exposição que fiz nestas páginas servirá para que compreendamos que há um mundo desconhecido, que há um mundo divino, cheio de riquezas e impregnado de doçura, que há um mundo mil vezes superior, mil vezes mais belo que este mundo prosaico em que vivemos, um mundo para o  qual fomos criados.
   Porque não fomos criados para este mundo miserável  nem para acumular as riquezas que o ladrão nos pode arrebatar e que a ferrugem consome, nem para embriagar-nos com as coisas da terra, nem para desfrutar dos prazeres terrenos, às vezes tão vis, sempre imperfeitos, incapazes de saciar o nosso coração imenso. Não, nascemos para um mundo superior. para um mundo oculto, para um mundo que trazemos escondido em nossa alma.
   Sentir-me-ei satisfeito se tiver levado alguém a pressentir esse mundo divino, se tiver deixado uma inquietação nos corações, se ao menos, depois de minha exposição pudermos dizer: existe algo maior do que aquilo que os nossos sentidos, existe um mundo superior, um mundo dos santos para o qual todos somos chamados. E trazemos dentro do coração realidades sobrenaturais com as quais podemos escalar os cumes e contemplar belíssimos panoramas, e assim aproximar-nos da luz de Deus.
   Que o Espírito Santo, cuja moção nos ensina todas as coisas, segundo a frase da Escritura, complete a exiguidade da nossa obra, que ele comunique às nossas almas a sua luz, para que olhemos para o alto e os nossos corações se encham com o fogo santo do amor, e suspiremos por aquilo que é grande, divino e eterno!

Do livro “Dons do Espírito Santo” da autoria de D. Luís M. Martinez -  Arcebispo Primaz do México – Apresentação: Pe. Haroldo J. Rahm. SJ. Edições Paulina 1976. 
Estas nove (9) páginas riquíssimas do Amor de Deus , que colocamos no blog “Poço de Jacó”:

- Noções Gerais – Dom do Temor de Deus – Dom de Fortaleza – Dom de Piedade – Dons Intelectuais – Dom do Conselho – Dom da Ciência – Dom do Entendimento – e Dom da Sabedoria. 

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